Abalou-me a um ponto que eu
julgaria impossível. In Fernando Pessoa
Aos Poucos
«(…) Destes aprendi de cor, há muitos anos, trinta e nove. Para
traduzir os outros, teria de me referir a apontamentos dispersos entre um
número de papéis e notas, representando um estudo de vinte anos e nunca postos
em ordem, demasiado grande para que a tarefa fosse fácil. Nem poderiam ser
todos traduzidos e dados a um mundo por demais egoísta e atado aos objectos dos
sentidos, para que pudesse estar preparado a receber, com a devida atitude do
espírito, uma moral tão elevada. Porque, a não ser que um homem se entregue perseverantemente
ao culto do conhecimento de si próprio, nunca poderá de bom grado dar ouvidos a
conselhos desta natureza. E, contudo, esta moral enche tomos e tomos da
literatura oriental, sobretudo nos upanixades. Mata todo o desejo de viver, diz Krishna a Arjuna.
Esse desejo mora apenas no corpo, veículo do ser encarnado, e não na própria individualidade,
que é eterna, indestrutível, que não mata
nem é mortal (Kathopanishad). Mata
a sensação, ensina o Sutta-Nipata; olha do mesmo modo para o prazer e para a
dor, para o ganho e para a perda, para a vitória e para a derrota. E
ainda busca abrigo só no eterno,
destrói o sentido da existência separada,
repete Krishna de variadas maneiras. O
Espírito [Manas], que segue os sentidos vagabundos, torna a alma [Budhi] tão
inerte como o barco que o vento arrasa sobre as águas. Por isso se
julgou melhor fazer uma escolha judiciosa só entre aqueles tratados que mais sirvam
aos poucos verdadeiro místicos que há na sociedade teosófica, e que com certeza
se ajustem às suas necessidades. Só esses compreenderão estas palavras de
Krishna-Christos, a personalidade superior. Sábios, não choreis nem pelos
vivos nem pelos mortos. Nunca deixei de existir, nem vós, nem estes reis dos
homens; nem no futuro deixará qualquer um de nós de existir.
Estas indicações são para aqueles que não conhecem os perigos dos Iddhi
inferiores. Aquele que quiser ouvir a voz de Nadã, o Som sem som, e compreendê-la, terá de aprender a natureza do
Dharana. Tendo-se tornado indiferente aos objectos da percepção, deve o aluno
procurar o raja dos sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que acorda a
ilusão. A Mente é a grande assassina do Real. Que o discípulo mate o
assassino. Porque quando para si mesmo a sua própria forma parece irreal, como
o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos; quando deixar de
ouvir os muitos, poderá divisar o Um,
o som interior que mata o exterior. Então, e só então, abandonará ele a região de
Asat, o falso, para chegar ao reino de Sat, o verdadeiro. Antes
que a Alma possa ver, deve ser conseguida a harmonia interior, e os olhos da
carne tornados cegos a toda a ilusão. Antes que a Alma possa ouvir, a imagem (o
homem) tem de se tornar surda aos rugidos como aos segredos, aos gritos dos
elefantes em fúria como ao sussurro prateado do pirilampo de ouro. Antes que a
Alma possa compreender e recordar, ela deve primeiro unir-se ao Falador
Silencioso, como a forma que é dada ao barro se uniu primeiro ao
espírito do escultor. Porque então a Alma ouvirá e poderá recordar-se. E então
ao ouvido interior falará AVoz do Silêncio (a do Ladino…), e dirá: Se a tua
Alma sorri ao banhar-se ao sol da tua vida; se a tua Alma canta dentro da sua
crisálida de carne e de matéria; se a tua Alma chora dentro do seu castelo de
ilusão; se a tua Alma se esforça por quebrar o fio de prata que a liga ao
mestre; sabe (escrivão de puridade…) ó discípulo, que a sua alma é da terra». ».
In
Helena Petrovna Blavatsky, The Voice of The Silence, A Voz do Silêncio,
tradução de Fernando Pessoa, Editorial Presença, 2012, ISBN 978-989-8470-49-2.
Cortesia de Presença/JDACT