A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico)
As Ordens Militares
«(…) Podem distinguir-se
duas grandes etapas na história medieval destas instituições peninsulares: na
primeira, que abarca os séculos XII e XIII, elas constituíam na Reconquista
do território aos muçulmanos uma milícia permanente, com as vantagens que
lhes advinham da adopção de uma rígida disciplina de natureza monástica. Em
troca, os soberanos entregavam-lhes extensões de terras que sabiamente geriram.
O resultado foi a criação de autênticos potentados, chefiados por um Mestre
que, não raro, era um dos principais personagens do reino. É a segunda
fase da vida destas instituições: detentoras de grande poder, as Ordens
tornaram-se como que Estados dentro do Estado, o que originou graves conflitos
entre elas e os reis, sobretudo quando estes se sentiam suficientemente fortes
para as combater. No século XV os monarcas vão resolver o problema, procurando associar
o mestrado e os cargos importantes das Ordens à Coroa: em Castela, o governo
das milícias ficou nas mãos do rei; em Portugal, João I, à medida que os Mestres
iam morrendo, foi entregando as Ordens Militares aos seus filhos. É assim que o
Infante Henrique surge como administrador da Ordem de Cristo, o Infante João
recebe o mestrado da Ordem de Santiago e o Infante Fernando o de Avis. Ao mesmo
tempo, e com o aval da Santa Sé, o espírito das Ordens, nomeadamente da de
Avis, altera-se substancialmente: os
seus membros passam a poder dispor dos seus bens e a poder contrair matrimónio.
De facto, já se estava longe do ascetismo inicial dos milites Christi ... A época moderna vai conhecer uma
terceira fase das Ordens Militares: nesta altura, dá-se a incorporação
definitiva das Ordens na Coroa, levada cabo por João III. O número de
religiosos que vivem habitualmente no convento é agora bastante reduzido, e os
títulos e comendas são entregues a nobres estranhos à Ordem.
As origens da
Ordem de Avis e a sua relação com a monarquia
Depois daquella
batalha, por todos os seculos memorável, em que nos campos de Ourique aos 25 de
Junho do anno do Senhor 1147 alcançou o Senhor Rey D. Affonso Henriques, a mais
gloriosa de vitoria de cinco Reys Africanos, e de quatrocentos mil combatentes;
estimulados de brio Portuguez e Religião Christãa, como também cobiçosos da
gloria, e honra militar alguns nobres, e alentados cavalleiros, à imitação dos
antigos Macabeos se confederarão entre si e se derão juramento huuns aos outros
de pelejarem pela Fé de Christo, defensa do Reyno e amor da Patria, até darem
na campanha as proprias vidas; de cuja heroica resolução movidos outros, creceo
de forte o seu numero, e desta liga Catholica se seguio tanta utilidade para o
Reyno, que o Senhor Rey D. Affonso Henriques não somente lhes deu rendas para
conseNarem a união mas convocando na cidade de Coimbra todos os Prelados do
Reyno com o Cardeal Ostiense por nome Humbaldo legado a latere do Summo
Pontífice os reduziu a huma vida regular debayxo da Regra de S. Bento com a
reforma de Cister, que se confirmou no anno de 1162(…). Assim iniciava frei
José da Purificação o Catalogo dos
Mestres e Administradores da Ilustre e antiquissima Ordem Militar de Avis
apresentado à Academia da História em 1722,
assumindo uma posição semelhante à da maioria dos autores dos séculos XVI, XVII
e XVIII: de facto, tanto eruditos portugueses como castelhanos subscreveram a
ideia de que a Ordem de Avis descendia de uma Nova Milícia fundada em
Coimbra em 1147. A única diferença
residia no nome do legado pontifício presente em 1162: enquanto alguns
confirmavam ou seguiam a ideia de Fr. José da Purificação, outros falavam do
comissário papal como sendo João Cirita, abade de Tarouca. Assim sendo,
a que viria a constituir a Ordem Militar teria surgido antes da de Calatrava (cuja
fundação data de 1158) e seria uma das mais antigas Ordens Militares nascidas
na Península Ibérica.
A primeira grande
crítica a tudo quanto se havia escrito sobre as origens da Ordem Militar de Avis
partiu do cardeal Saraiva. Afirmando que não havia provas documentais que
justificassem as teses até então existentes, considerou o documento de 1162 falso porque nele se refere um abade
de Tarouca que não se sabe se de facto existiu. Por outro lado, na sua
perspectiva, não deixou de ser estranho o facto de ser um legado do Papa a
instituir a Ordem, uma vez que normalmente era o Pontífice quem, através de
Bulas, confirmava as milícias quando estas surgiam. É hoje ponto assente que
o documento referido por frei José da Purificação é falso. Assim sendo, é
necessário determinar com a maior exactidão possível a data de fundação da
Ordem de Avis, até porque não chegou até aos nossos dias, ou pelo menos ainda
não foi encontrada, nenhuma prova documental que nos indique com rigor tal
acontecimento. Não restam quaisquer dúvidas de que a Ordem de Avis descendeu
de uma milícia estabelecida em Évora, que reunia um grupo de cavaleiros
em torno de um Mestre, Gonçalo Viegas de Lanhoso. Se a escolha do local para
esta nova milícia parece óbvia, Évora era o posto mais avançado da Reconquista,
a data em que tal facto ocorreu levanta ainda algumas questões a que vários
autores procuraram dar resposta. Datando o foral de Évora de 1166 e o primeiro documento do cartório
de Avis de 1176, a Ordem terá
surgido nesta década. Através da análise minuciosa da evolução da política
geral do reino, Ruy Pinto Azevedo concluiu que em 1169 a milícia de Évora ainda não estaria organizada, uma vez que o
monarca apenas contava com o auxílio militar da Ordem do Templo nas suas
campanhas. Do mesmo modo, aquele autor questiona a existência da milícia de
Évora quando Afonso Henriques distribui as terras conquistadas nos anos
anteriores, nomeadamente em 1172 e 1173: de facto, se ela já estivesse
organizada, muito provavelmente também seria uma das contempladas. Assim sendo,
terá sido durante o período de tréguas com o califa Abu Ya'qub Yusuf,
ocorridas entre 1173 e 1178, que Afonso Henriques terá promovido o aparecimento
de uma organização monástico-militar, na esperança de colmatar a falta que Geraldo
Sem Pavor provocara na fronteira sul
do reino. Assim sendo, Pinto de Azevedo conclui que Avis terá sido uma Ordem genuinamente portuguesa, criada pelo monarca entre Março
de 1175 e Abril de 1176».
In
Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV,
Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
Cortesia da FL do Porto/JDACT