D. Luísa e o problema das fontes
«O período da Restauração é complicado para os historiadores que o
pretendem estudar. Ainda não existe qualquer trabalho moderno abrangente que
cubra a totalidade do período de 1640-1668 e se debruce sobre as
políticas e as guerras que nele ocorreram. Por esse motivo, quem seja levado a
investigar este período, vê-se obrigado a trabalhar com biografias ou outros
estudos especializados, ou forçado a voltar-se para fontes coevas. Embora os
homens envolvidos na Restauração sejam, bem entendido, fáceis de investigar
devido à sua notoriedade, o estudo das mulheres do mesmo período constitui uma
tarefa muito mais difícil. A mulher mais proeminente desta época é
indubitavelmente D. Luísa de Gusmão, mulher de D. João IV e mesmo ela pode
tornar-se uma figura ofuscada pelas discussões em torno dos protagonistas masculinos.
Em termos gerais, a maior parte dos historiadores ignorou D. Luísa e o seu contributo para a história de Portugal. É muito
difícil encontrar obras importantes que se debrucem sobre D. Luísa e a sua
regência com alguma profundidade. Muitas das histórias gerais de Portugal
ignoram-na, bem como aos anos
da sua regência. Hesitamos em
atribuir automaticamente este facto e presunções masculinas acerca da
inadequação do sexo fraco. Em vez
disso, é mais do que provável que D.
Luísa seja ignorada por ter sido ofuscada pelos homens da sua vida. D. João
IV, o Restaurador, como fundador da
nova dinastia, concentra geralmente as atenções, pois foi o principal decisor
por trás da restauração da monarquia portuguesa. Mesmo depois de D. Luísa ter
desempenhado as funções de regente pelo seu filho Afonso VI, de 1656 a
1662, o seu papel na guerra e na diplomacia é obscurecido pelo comportamento
errático do filho, e quaisquer benefícios resultantes da sua regência são
novamente ocultados pelo escândalo criado pelo príncipe Pedro (futuro Pedro
II) e pela mulher de Afonso, D. Maria Francisca de Saboia. Em
consequência, o papel de D. Luísa
nas guerras da Restauração é encarado pela maior parte dos estudiosos como sendo
menor ou mesmo desprovido de importância.
As histórias gerais de Portugal tendem a tratar superficialmente os
anos da regência de D. Luísa, ou a ignorá-los por completo. Por exemplo, Oliveira
Marques, na sua História de Portugal
(publicada em 1972), dedicou apenas alguns parágrafos a esse período e afirma
que não ocorreram mudanças essenciais
entre 1656 e 1662. A História de
Portugal, em vários volumes, coordenada por José Mattoso, ignora
virtualmente os anos de 1620 a 1700. Em parte, isto tem a
ver com o facto de o século XVII em geral, e o período da Restauração em particular,
terem sido amplamente ignorados pelos historiadores durante o século XX. Realizaram-se
alguns trabalhos na década de 1940, Por ocasião do quarto
centenário da dinastia de Bragança, mas, para além disso, pouco mais existe.
Este facto modificou-se um pouco nos últimos quinze anos, mas ainda há muito
trabalho a fazer. O único trabalho abrangente acerca de D. Luísa é a biografia da autoria de Hipólito Raposo,
publicada em 1947. Trata-se de um
trabalho extremamente importante, uma vez que o autor foi muito meticuloso na
investigação das fontes primárias e secundárias disponíveis. Todavia, como
frequentemente acontece nos trabalhos históricos deste período, Raposo
mostra-se claramente parcial em favor de D. Luísa e escreveu a sua biografia
com base nesse pressuposto. A sua forte parcialidade em favor de D. Luísa é
demonstrada pela linguagem floreada que utilizou ao descrever aquilo que
considerava serem as virtudes extraordinárias desta figura histórica. Até hoje,
esta é a única biografia de D. Luísa
e a mais extensa obra concentrada nas políticas e eventos ocorridos durante a
sua regência. Infelizmente, Hipólito Raposo leva demasiado longe as suas
presunções acerca de como uma mulher, esposa ou mãe devia sentir-se em determinados momentos da sua vida. A obra inclui
ainda muitos dos poemas laudatórios escritos acerca de D. Luísa na época, como
que para provar ao leitor que ela era tão maravilhosa como o autor parece julgar.
São particularmente importantes todas as biografias publicadas durante
a sua época de existência, não só para a compreensão do período em geral, mas
também para compreender a vida pessoal e pública de D. Luísa. Embora essas
biografias não se concentrem especificamente em D. Luísa, ela esteve tão
envolvida nas vidas do seu marido e dos seus filhos que desempenha um
importante papel nessas obras. Em particular, muitos dos autores referidos são
especialistas nos intrincados sistemas políticos da época. Por exemplo, Mafalda
Cunha é especialista na história da Casa de Bragança, tendo várias obras
publicadas acerca desta casa, bem como das suas redes de clientela e dependentes,
sobretudo no período entre os finais do século XVI e meados do século XVII.
Pedro Cardim escreveu vários artigos e livros acerca de questões militares e
governativas durante o século XVII. Por fim, Maria Paula Lourenço é
especialista na casa das rainhas e na importância da mesma no sistema de
clientela que existia na corte real. Em particular, publicou estudos acerca da
Casa de Bragança durante o reinado de D. Luísa e do hábito dos Braganças em
conceder mercês aos nobres da corte». In Monique Vallance, A Rainha Restauradora, Luísa
de Gusmão, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4713-7.
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