A Divisão da História de Portugal em períodos
«(…) A história económica brasileira poder-se-ia dividir nos seguintes
ciclos:
- 1.º Ciclo do pau-brasil, com os comércios ancilares de animais e algodão, pré-colonial, até cerca de 1530;
- 2.º Ciclo do açúcar, dominante na 2.ª metade do século XVI e no XVII, tendo como actividades ancilares o tabaco e a criação de gado, esta última responsável pela penetração no sertão e a grande integradora da unidade nacional brasileira;
- 3.º Ciclo de mineração, do ouro e diamantes, que marca com o seu cunho o século XVIII;
- 4.º Ciclo do café, séculos XIX e XX, cedendo hoje o lugar à civilização industrial (Afonso Arinos Melo Franco, Síntese da História económica do Brasil, Rio de Janeiro, 1933).
É evidente que se segue o figurino cortado por Lúcio Azevedo, mas a sua
periodização cíclica do Portugal económico de Antigo Regime não oferece a mesma
nitidez de recorte. Depois da medieva Monarquia agrátia, estruturalmente
definida como um quase feudalismo num país de lavradores que produzem azeite,
cera, cortiça, mel, vinho e peles, cevada e trigo, intercala-se uma Jornada
de África, arca onde tudo se mete mas que é essencialmente um Ciclo
dos escravos, passa-se ao ciclo da pimenta ligado à Índia, e isto
antes do metal amarelo da Guiné, Mina e Monomotapa agrupado num Primeiro ciclo do ouro, a que
sucede o Império do açúcar
seguido de uma Idade de ouro e
diamantes. Assim, ciclo parece designar essencialmente um sistema de
actividades constelando-se em volta de um produto e processando-se da génese ao
ocaso, de modo a dar o tom dominante a toda uma economia. Mas na mesma época
podem coexistir dois ou mesmo mais ciclos, no século XVI o dos escravos,
o da pimenta, o primeiro do ouro e até já o começo do do açúcar; no século XVIII
a idade do ouro e diamantes, ou melhor, o segundo ciclo do ouro, agora
brasileiro e combinado aos diamantes, não esgota a realidade
histórica-económica, um outro capítulo completa o quadro Sob o signo de Methuen.
Tanto quanto de periodização, o ciclo serve pois de arrumação de matérias
segundo um princípio de lógica interna de desenvolvimento. Aliás, em Lúcio
Azevedo a concepção cíclica está sobretudo no obsessivo retorno de uma falência
a cada ciclo apenas adiada.
Aplicando à assás imprecisa concepção de ciclo de Lúcio Azevedo a
precisa noção de efeito dominante de François Perroux, Frédéric Mauro propõe
manter aquela entendendo-a de forma que o ciclo do açúcar seria a economia em
que o açúcar exerceria o efeito de dominação: Produto dominante, visto que o crescimento do seu comércio traz
consigo a prosperidade geral, e o seu declínio um declínio geral, ao passo que
a inversa não é verdadeira: nesta irreversibilidade é que, como é sabido,
reside o efeito de dominação. Escravos, material dos engenhos, consumo de sal,
de vinho, de produtos manufacturados, tudo é comandado, dominado pelo açúcar.
Mas não era esta, no fundo já a concepção de Afonso Arinos, talvez até do
próprio Azevedo agora melhor definida
e caracterizada? Mauro aproxima-se porém de uma outra concepção, a de
complexos histórico-geográficos, ao introduzir a distinção; devida a Perroux, de
zonas dominantes e zonas dominadas. Convém reservar a designação de ciclo aos processus de recurrência
em que o movimento se fecha, retornando ao estádio inicial, depois de percorrer
sempre as mesmas fases. Por outro lado, a estruturação da economia sob a dominância
de um factor (feixe de actividades ligadas a um produto ou pequeno conjunto
de produtos interconexos) só pode considerar-se modelo historicamente
válido num reduzido número de casos: precisamente os das economias coloniais
caracterizadas pela monocultura para exportação; é o que em boa parte acontece
no Brasil com a sucessão pau brasil-açúcar-ouro-café. Por isso mesmo há
que integrá-los em noções operatórias de maior generalidade; esse seu carácter
só se afirma porque fazem parte de totalidades mais vastas, não passam de
aspectos regionais delas.
No estado actual da pesquisa no nosso País não é possível assentar sem arbitrariedade
uma divisão da história de Portugal em períodos. O critério foi luminosamente
definido por Herculano há um século e um quarto; há que repensá-lo,
evidentemente, e aperfeiçoá-lo à luz da ferramenta moderna de estrutura
e complexo
histórico-geográfico, mas a linha mestra está traçada. Que cabe fazer? Estudar a
sociedade portuguesa através dos tempos, não apenas nas suas formas jurídicas
mas sim na sua existência colectiva tal como é na realidade, procurando
rastrear as relações fundamentais que definem estruturas sucessivas; desenhar
as correspondentes configurações espaciais, numa perspectiva de geografia
dinâmica que dê as proporções de forças em acção, suas áreas de incidência,
vectores de articulação ou transformação; na história cultural, averiguar das
maneiras de sentir e pensar colectivas (globais ou de grupo), de modo a
caracterizar mentalidades e grandes revoluções psicológicas. Na política, aos
acontecimentos trepidantes antepor as bases de organização (não apenas legal
mas também de facto) e as relações de forças em presença, tentando
surpreender quando tais alicerces se modificam. Há que determinar os próprios
ritmos do tempo tal como os homens o vivem em cada época e dele têm
consciência. É de esperar, aliás, que os tempos das estruturas, das conjunturas
e dos acontecimentos não coincidam, e portanto de admitir mais de uma
periodização consoante o ponto de vista em que nos colocarmos». In
Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal, Livraria Sá
da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.
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