domingo, 23 de março de 2014

O Complexo de Culpa do Ocidente. Pascal Bruckner. «E para contrariar o seu angustiante silêncio, damos voz àqueles que nos atacam, inventamos as suas respostas. Quem são os nossos inimigos?»

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Os Propagandistas do Estigma
Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Também o escritor britânico John Le Carré inverte as responsabilidades, convertendo os civis esventrados, presas do ferro e do fogo, em culpados contrariados. Lamentando que, ao invés dos EUA, não haja na prática uma oposição parlamentar na Grã-Bretanha, este autor remete as origens do terrorismo para as frustrações e humilhações passadas e presentes:

Quando as comunidades são exploradas durante muito tempo, surge nelas uma sede de vingança, ainda que psicótica ou errada. Para compreender o que provoca essa psicose que redunda no desejo de matar, matar, matar, basta observar essas comunidades.

Um sociólogo francês, Farhad Khosrokhavar, explica os atentados como uma consequência da humilhação do mundo árabe e muçulmano em geral devido à criação do estado de Israel e à noção de que o islão se tornou a religião dos oprimidos. Outro sociólogo, François Burgat, numa entrevista à AFP no dia L3 de Julho de 2005, confirma esta análise: os atentados nunca teriam ocorrido se os árabes não se sentissem injustiçados e ressentidos com o conflito israelo-árabe e se, aparentemente, não houvesse dois pesos e duas medidas no tratamento político de Israel e do Iraque. Não tenhamos dúvidas: se amanhã, por infelicidade, terroristas fizessem explodir o metro de Paris, destruíssem a torre Eiffel ou a Notre-Dame, prevaleceria o mesmo raciocínio. As boas almas de direita ou de esquerda tentariam convencer-nos e mostrar arrependimento: atacam-nos portanto somos culpados, ao passo que os agressores são na verdade uns pobres desgraçados que protestam contra a nossa riqueza insolente, o nosso modo de vida, a nossa economia predadora, Confirmamos espontaneamente a opinião que os nossos adversários têm de nós. Após cada explosão, somos de tal forma pressionados a subscrever as motivações dos jihadistas, apesar de desaprovarmos os seus métodos, que há um alvoroço de causas, um congestionamento de explicações no qual se invocam todos os problemas de que o mundo padece. E para contrariar o seu angustiante silêncio, damos voz àqueles que nos atacam, inventamos as suas respostas. Quem são os nossos inimigos?, pergunta Dominique de Villepin. O mundo está dilacerado. Por hábito, fraqueza ou medo, torna-se tentador confundir todos os aspectos com uma obstinação teimosa contra um adversário diabólico. Todavia, não elegemos os nossos inimigos a bel-prazer nem segundo as nossas convicções. Eles designam-nos como tal, atacam-nos quando assim o entendem e rejubilam-se com as nossas desgraças. Daqui resulta um certo sentimento de esquizofrenia na Velha Europa a par dos Estados Unidos, combatemos um terrorismo cuja importância não cessamos de negar ou minimizar. Para alguns, constitui uma fraude intelectual, para que Washington nos tenha na mão. Para outros, tal como o primeiro-ministro espanhol, José Zapatero, há que cultivar o eufemismo até, recusar nomear o perigo: Nunca falo terrorismo islâmico, mas de terrorismo internacional. Não se pode englobar numa mesma denominação centenas de milhões de pessoas e uma religião que, como todas as religiões na história da humanidade, implica um certo teor de fanatismo religioso». In Pascal Bruckner, La Tyrannie de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América, 2008, ISBN 978-972-1-05943-6.

Cortesia de PEA/JDACT