Os Propagandistas do Estigma
Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Também o escritor britânico John Le Carré inverte as responsabilidades,
convertendo os civis esventrados, presas do ferro e do fogo, em culpados
contrariados. Lamentando que, ao invés dos EUA, não haja na prática uma oposição parlamentar na Grã-Bretanha,
este autor remete as origens do terrorismo para as frustrações e humilhações
passadas e presentes:
Quando as comunidades são exploradas
durante muito tempo, surge nelas uma sede de vingança, ainda que psicótica ou
errada. Para compreender o que provoca essa psicose que redunda no desejo de
matar, matar, matar, basta observar essas comunidades.
Um sociólogo francês, Farhad Khosrokhavar, explica os atentados como
uma consequência da humilhação do mundo árabe e muçulmano em geral devido à criação do estado de Israel e à
noção de que o islão se tornou a religião dos oprimidos. Outro
sociólogo, François Burgat, numa entrevista à AFP no dia L3 de Julho de 2005, confirma esta análise: os atentados
nunca teriam ocorrido se os árabes não se sentissem injustiçados e ressentidos
com o conflito israelo-árabe e se, aparentemente, não houvesse dois pesos e
duas medidas no tratamento político de Israel e do Iraque. Não tenhamos dúvidas:
se amanhã, por infelicidade, terroristas fizessem explodir o metro de Paris,
destruíssem a torre Eiffel ou a Notre-Dame, prevaleceria o mesmo raciocínio. As
boas almas de direita ou de esquerda tentariam convencer-nos e mostrar
arrependimento: atacam-nos portanto somos culpados, ao passo que os agressores
são na verdade uns pobres desgraçados que protestam contra a nossa riqueza
insolente, o nosso modo de vida, a nossa economia predadora, Confirmamos
espontaneamente a opinião que os nossos adversários têm de nós. Após cada explosão,
somos de tal forma pressionados a subscrever as motivações dos jihadistas,
apesar de desaprovarmos os seus métodos, que há um alvoroço de causas, um
congestionamento de explicações no qual se invocam todos os problemas de que o mundo
padece. E para contrariar o seu angustiante silêncio, damos voz àqueles que nos
atacam, inventamos as suas respostas. Quem
são os nossos inimigos?, pergunta Dominique de Villepin. O mundo está
dilacerado. Por hábito, fraqueza ou medo, torna-se tentador confundir todos os
aspectos com uma obstinação teimosa contra um adversário diabólico. Todavia, não
elegemos os nossos inimigos a bel-prazer nem segundo as nossas convicções. Eles
designam-nos como tal, atacam-nos quando assim o entendem e rejubilam-se com as
nossas desgraças. Daqui resulta um certo sentimento de esquizofrenia na Velha
Europa a par dos Estados Unidos, combatemos um terrorismo cuja importância não
cessamos de negar ou minimizar. Para alguns, constitui uma fraude intelectual, para que Washington nos tenha na mão. Para
outros, tal como o primeiro-ministro espanhol, José Zapatero, há que cultivar o
eufemismo até, recusar nomear o perigo: Nunca falo terrorismo islâmico, mas
de terrorismo internacional. Não se pode englobar numa mesma denominação
centenas de milhões de pessoas e uma religião que, como todas as religiões na
história da humanidade, implica um certo teor de fanatismo religioso». In
Pascal Bruckner, La Tyrannie de la Pénitence, Essai sur le Masochisme
Occidental, Editions Grasset Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente.
Publicações Europa-América, 2008, ISBN 978-972-1-05943-6.
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