O ‘Arranque’ dos Descobrimentos
Porque foi conquistada Ceuta?
«(…) A turbulência política, as guerras com Castela, as pestes e o
ambiente de crise do século XIV não permitiram a retomada destes velhos projectos.
Porém, a chegada ao poder da nova dinastia de Avis, desejosa de obter prestígio
junto do papa e da cristandade, e a formação de um novo quadro social, com sectores
da burguesia lisboeta à procura de oportunidades de negócio e uma nova nobreza
irrequieta e sedenta de poder e honrarias, propiciavam uma iniciativa deste género.
João I estava receptivo e tornou-se gradualmente um entusiasta da
expedição militar. O alvo de Ceuta parece ter sido sugerido por João Afonso,
um burguês de Lisboa. O projecto foi amadurecido durante vários anos, mas só se
tornou viável após a assinatura das pazes com Castela, em 1411.
Outra ideia a considerar é a de que a expedição a Ceuta teve muito de
improvisação e de decisão de momento. Nada permite vislumbrar, como por vezes é
apresentado, que se tratou de um projecto previamente traçado, como parte de um
plano de expansão concebido a priori.
Por exemplo, sabe-se que o alvo inicial, o mais cobiçado e natural, era Granada
e não Ceuta, mas que o facto de ser geralmente aceite que aquele reino estava
reservado a Castela e o receio de hostilizar os vizinhos, arriscando reacender
uma guerra que ninguém desejava, levou os líderes portugueses a desviar a sua
atenção. Ceuta era uma cidade muçulmana, rica, e base dos corsários que
fustigavam as costas algarvias; controlava o Estreito e era, por consequência,
um ponto estratégico muito importante.
Tratava-se, portanto, da escolha ideal. Ainda assim, quando a armada
rumou para sul, o rei reuniu o conselho para uma decisão final, e houve quem
achasse preferível a conquista da vila de Gibraltar em vez de Ceuta e também
quem defendesse o regresso da armada a Portugal. Do mesmo modo, após a vitória
e o saque, os Portugueses hesitaram entre manter a cidade ou abandoná-la, porque
já se vislumbravam as dificuldades e os custos do seu sustento.
Por fim, há que dizer que a conquista de Ceuta pouco teve que ver com as
viagens de descobrimento subsequentes; pelo contrário, enquadrou-se
perfeitamente na tradição medieval da guerra entre o mundo cristão e o
muçulmano. Tratando-se de uma cidade que fecha o estreito de Gibraltar, o seu
domínio articulava-se com preocupações geoestratégicas típicas do mundo
mediterrânico e não do atlântico. A ideia de que os Portugueses ficaram
deslumbrados com as riquezas alegadamente vindas do Oriente e que sonharam encontrar
a fonte das mesmas, congeminando uma forma de lá chegar, não passa de um
devaneio romântico.
Há, de facto, um denominador comum entre a conquista de Ceuta e as
viagens de descobrimento: o infante
Henrique. Foi, de facto, o homem que simultaneamente se assumia como um
feroz partidário da cruzada marroquina e o promotor e financiador das viagens que,
pouco depois, começaram a explorar o Atlântico. Mas tratava-se de dois planos
distintos, um claramente principal e o outro, acessório e menor. A ideia de que
Ceuta o inspirou para impulsionar as viagens deve ser entendida no seu contexto
devido: o centro das suas atenções
era, nesta fase, Marrocos e não as regiões desconhecidas que se estendiam para
sul. Só gradualmente é que, com o fracasso das aventuras militares, as
viagens de descobrimento ganharam relevo, autonomia e dinâmica próprias». In
Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi
Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa,
2013, ISBN 978-989-626-498-7.
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