«(…) O terceiro capítulo
é uma análise da figura do líder cruzado Simon de Montfort, numa tentativa de
verificar se a hipótese da criação da figura de um Vassalo Perfeito seria pertinente ao contexto descrito por Pierre
des Vaux de Cernay. Para tanto, consideramos como ponto de partida, o
pressuposto de que para criar um modelo, devem ser adoptados parâmetros
existentes no contexto ao qual o escritor está inserido. Na introdução crítica
da fonte, os autores da tradução revelam um factor de suma importância para
este raciocínio, qual seja, a leitura dos escritos de Bernardo de Claraval por
Pierre des Vaux de Cernay. Nas obras completas de São Bernardo, foi encontrada
uma apologia a uma casta de guerreiros superiores aos cavaleiros comuns, na
medida em que os Templários possuíam, para Bernardo, o melhor de dois mundos: eram
guerreiros temporais e espirituais. Partindo do cruzamento de minha fonte
primária com a obra de Bernardo de Claraval, encontrei três categorias
qualitativas ao redor da descrição de Simon: aspectos físicos, nobres e cristãos. As características
físicas descritas apontam para um ideal de beleza, que no meu estudo está em
conformidade com o conteúdo literário da Provença do século XII, onde a
descrição do herói desprovido de falhas físicas era um sinal da Providência
Divina favorável. Outro factor para a descrição física detalhada de Simon
por Pierre está de acordo com a narrativa bíblica de heróis guerreiros como
Absalão, David ou Sansão, todos retratados como homens perfeitos. Quanto às
características nobres de Simon, Pierre retrata inúmeras situações onde
a coragem do cavaleiro é provada, além de sua compaixão e senso de justiça.
Este léxico moral estava inserido no imaginário de cavalaria, que incluía ainda
o carácter do amor cortês. Esta característica estava descrita em Simon, na
medida em que sua esposa, a condessa D. Alice de Montgomercy, é uma
figura sempre presente nas conquistas do marido. Simon é descrito como esposo
fiel, enquanto seus adversários, como por exemplo, o conde de Toulouse, é
retratado como pervertido e poligâmico.
Nas características religiosas, percebem-se todas as qualidades de um
cristão fiel, como fé, fidelidade à Igreja e seus líderes e respeito inexorável
pela ortodoxia católica. Toda a descrição destas características converge para
corroborar com a minha hipótese da criação de um Vassalo Perfeito, que servisse como um exempla tanto para a monarquia francesa em formação,
como para a Igreja que precisava fortalecer o seu vínculo com o século, na
medida em que o papado buscava aumentar a sua hegemonia no século através da Teocracia
Papal. Para que estes pontos fossem aprofundados no meu trabalho, algumas
obras foram de suma importância e merecem menção. Para uma melhor compreensão
do conflito armado intitulado Cruzada albigense, duas obras foram
fundamentais: A Heresia Perfeita – A
vida e a morte revolucionária dos cátaros na Idade Média, de Stephen
O’shea, e Atlas de los Cátaros,
organizado por Jesus Mestre Campi. Em a Heresia Perfeita, O’shea descreve todos
as nuances pertinentes à Cruzada,
auxiliando na compreensão do contexto mais amplo sobre os eventos do Languedoc.
A existência de dois projectos expansionistas dirigidos por Filipe Augusto
de França de um lado, e Pedro II de Aragão de outro, está de acordo com
a obra de O’shea. A segunda obra foi de grande valia para ambientar a pesquisa
aos espaços territoriais envolvidos, como, por exemplo, verificar qual o
território pertencente ao norte francês, qual a delimitação do Midi francês
e a região de Aragão. Outros textos de relevância no amadurecimento de
conceitos pertinentes à pesquisa merecem menção. A obra de José Rivair Macedo, Heresia, Cruzada e Inquisição na França
Medieval, única obra encontrada sobre o tema na historiografia
brasileira, auxiliou na percepção da construção da memória histórica sobre a heresia cátara. Na compreensão do
conceito e dos preceitos de cavalaria de Pierre, foram utilizadas duas obras. O
verbete cavalaria de Jean Flori, no já citado Dicionário Temático da
Idade Média contraposto com o clássico sobre o tema de Leon Gautier, La
chevalerie. Ambos foram importantes no sentido de compreender a noção de
cavalaria no universo no qual o cronista Pierre estava inserido, para então,
transpô-lo aos seus escritos. Foi necessário também buscar textos que auxiliassem
na compreensão das relações entre senhor e vassalo, bastante presente na Crónica
albigense». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de Montfort, A figura do Vassalo Perfeito, História Albigeoise, Pierre des Vaux
de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes, UF do Paraná, Curitiba, 2006.
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