Os Propagandistas do Estigma
Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Embora as neguem, os dirigentes convidam assim a Europa a
pronunciar-se contra as raízes do mal: a
injustiça, o ressentimento e a frustração. Não se trata de combater,
mas de tentar compreender o
outro porque conhecê-lo é fundamenal
e o uso da força é infrutífero.
Porém, estas linhas de interpretação apresentam uma grande desvantagem: confundem
o pretexto e a causa. Na verdade, o terrorismo implanta-se em patologias
existentes e condiciona-as, uma vez que elas não encontram uma escapatória.
Todavia, a sua derradeira motivação é a hostilidade que os fanáticos votam aos
princípios de uma sociedade aberta, na qual a igualdade formal é reconhecida
por todos. É a nossa existência enquanto tal que é intolerável. Mas esta
constatação é, por sua vez, intolerável para nós. Para nos mantermos na esfera
da razão e acalentarmos a ideia de que ser
razoável é um dever até dos inimigos da razão, vemo-nos obrigados, a
todo o custo, a dar argumentos aos assassinos, arriscando -nos a justificar
aparentemente os seus actos. Tal como há pregadores do ódio no islamismo
radical, há também pregadores da humilhação nas democracias ocidentais, sobretudo
entre as elites pensadoras, e o seu proselitismo não é menor. A dar-lhes
crédito, temos muitas culpas no cartório uma vez que consentimos, por um
simples jogo de relações de forças, a fome, a SIDA, a falta de medicamentos:
Quanto ao terrorismo, explica Jacques
Derrida a propósito do 11 de Setembro, será que diz unicamente respeito à
morte? Não se pode estabelecer um regime de terror sem matar? Além do mais, matar
será necessariamente mandar matar ou será que deixar morrer e querer ignorar o
facto não serão aspectos que fazem também parte de uma estratégia terrorista mais
ou menos consciente e deliberada? É errado supor levianamente que todo o
terrorismo é voluntário, consciente, organizado, deliberado, intencional e
premeditado: há situações históricas ou políticas nas quais o terror opera, se
assim se pode dizer, por vontade própria, pelo simples efeito de um dispositivo
e devido a relações de força vigentes, sem que ninguém, um indivíduo consciente
ou uma pessoa, tenha disso consciência ou se diga responsável. Todas as situações
de opressão social e nacional a nível estrutural produzem um terror que nunca é
natural (que é, portanto, organizado e institucional) e portanto dependem dele,
sem que os que delas tiram partido se dediquem a actos de terrorismo e sejam
vistos como terroristas. (perceberam A e P?)
Não se engane o leitor somos potenciais terroristas, num ou noutro grau,
e semeamos a morte tal como o Sr, Jourdain (o Burguês Fidalgo, de Molière)
fazia inadvertidamente no caso da prosa. É claro que, após esta rigorosa
argumentação, Jacques Derrida afirmará in fine a sua preferência pela democracia.
E não hesita: tendo revelado as mil e uma
cumplicidades inadvertidas com o horror, este autor provou que o crime é a
coisa mais bem partilhada do mundo. Aliás, um certo tipo de cinema popularizou
a imagem de famílias honradas em pequenas cidades pacatas que escondem um
triste segredo, uma entidade maléfica. A desconfiança, corrói as paisagens mais idílicas do ocidente. Onde
julgamos ver uma oposição aos fundamentalistas, é preciso reconhecer uma equivalência.
Em vez de nos indignarmos com as
explosões, comecemos por interrogar-nos, por nos dissecarmos sem tabus.
No fundo, não é, o que temos de certo modo procurado? Sob a aparência de uma
análise complexa, encontramos aqui uma típica postura evangélica e
auto-acusação e o castigo público. Como bons herdeiros da Bíblia, julgamos que
uma grande desgraça se sucede necessariamente a uma grande infracção. Neste
aspecto, a casta intelectual dos países ocidentais é, por excelência, herdeira
da clerezia do Antigo Regime. Não estejamos com rodeios: os seus membros estão
a mando do pecado original. Querendo a todo o custo desmascarar as aparências,
não cessam de insistir na nossa ingenuidade». In Pascal Bruckner, La Tyrannie
de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset
Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América,
2008, ISBN 978-972-1-05943-6.
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