segunda-feira, 31 de março de 2014

Prosa no 31. O Complexo de Culpa do Ocidente. Pascal Bruckner. «Tal como há pregadores do ódio no islamismo radical, há também pregadores da humilhação nas democracias ocidentais, sobretudo entre as elites pensadoras, e o seu proselitismo não é menor»

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Os Propagandistas do Estigma
Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Embora as neguem, os dirigentes convidam assim a Europa a pronunciar-se contra as raízes do mal: a injustiça, o ressentimento e a frustração. Não se trata de combater, mas de tentar compreender o outro porque conhecê-lo é fundamenal e o uso da força é infrutífero. Porém, estas linhas de interpretação apresentam uma grande desvantagem: confundem o pretexto e a causa. Na verdade, o terrorismo implanta-se em patologias existentes e condiciona-as, uma vez que elas não encontram uma escapatória. Todavia, a sua derradeira motivação é a hostilidade que os fanáticos votam aos princípios de uma sociedade aberta, na qual a igualdade formal é reconhecida por todos. É a nossa existência enquanto tal que é intolerável. Mas esta constatação é, por sua vez, intolerável para nós. Para nos mantermos na esfera da razão e acalentarmos a ideia de que ser razoável é um dever até dos inimigos da razão, vemo-nos obrigados, a todo o custo, a dar argumentos aos assassinos, arriscando -nos a justificar aparentemente os seus actos. Tal como há pregadores do ódio no islamismo radical, há também pregadores da humilhação nas democracias ocidentais, sobretudo entre as elites pensadoras, e o seu proselitismo não é menor. A dar-lhes crédito, temos muitas culpas no cartório uma vez que consentimos, por um simples jogo de relações de forças, a fome, a SIDA, a falta de medicamentos:

Quanto ao terrorismo, explica Jacques Derrida a propósito do 11 de Setembro, será que diz unicamente respeito à morte? Não se pode estabelecer um regime de terror sem matar? Além do mais, matar será necessariamente mandar matar ou será que deixar morrer e querer ignorar o facto não serão aspectos que fazem também parte de uma estratégia terrorista mais ou menos consciente e deliberada? É errado supor levianamente que todo o terrorismo é voluntário, consciente, organizado, deliberado, intencional e premeditado: há situações históricas ou políticas nas quais o terror opera, se assim se pode dizer, por vontade própria, pelo simples efeito de um dispositivo e devido a relações de força vigentes, sem que ninguém, um indivíduo consciente ou uma pessoa, tenha disso consciência ou se diga responsável. Todas as situações de opressão social e nacional a nível estrutural produzem um terror que nunca é natural (que é, portanto, organizado e institucional) e portanto dependem dele, sem que os que delas tiram partido se dediquem a actos de terrorismo e sejam vistos como terroristas. (perceberam A e P?)

Não se engane o leitor somos potenciais terroristas, num ou noutro grau, e semeamos a morte tal como o Sr, Jourdain (o Burguês Fidalgo, de Molière) fazia inadvertidamente no caso da prosa. É claro que, após esta rigorosa argumentação, Jacques Derrida afirmará in fine a sua preferência pela democracia. E não hesita: tendo revelado as mil e uma cumplicidades inadvertidas com o horror, este autor provou que o crime é a coisa mais bem partilhada do mundo. Aliás, um certo tipo de cinema popularizou a imagem de famílias honradas em pequenas cidades pacatas que escondem um triste segredo, uma entidade maléfica. A desconfiança, corrói as paisagens mais idílicas do ocidente. Onde julgamos ver uma oposição aos fundamentalistas, é preciso reconhecer uma equivalência. Em vez de nos indignarmos com as explosões, comecemos por interrogar-nos, por nos dissecarmos sem tabus. No fundo, não é, o que temos de certo modo procurado? Sob a aparência de uma análise complexa, encontramos aqui uma típica postura evangélica e auto-acusação e o castigo público. Como bons herdeiros da Bíblia, julgamos que uma grande desgraça se sucede necessariamente a uma grande infracção. Neste aspecto, a casta intelectual dos países ocidentais é, por excelência, herdeira da clerezia do Antigo Regime. Não estejamos com rodeios: os seus membros estão a mando do pecado original. Querendo a todo o custo desmascarar as aparências, não cessam de insistir na nossa ingenuidade». In Pascal Bruckner, La Tyrannie de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América, 2008, ISBN 978-972-1-05943-6.

Cortesia de PEA/JDACT