segunda-feira, 31 de março de 2014

História no 31. A Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577). As suas Damas. Carolina Michaëlis. «Não existe quem mais lamente os desgostos da Rainha ou quem mais regozije com a sua prosperidade. As cartas d'ella proporcionam-lhe prazer tal que as agasalha no seio, as acaricia e repete sempre de novo a leitura»

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NOTA: Texto na versão original.

A Infanta D. Maria
«(…) Posteriormente aceitou a homenagem de diversos escriptores de Portugal, Hespanha e França, em latim e vernaculo. Que maravilha se ambicionava illustrar tambem sua filhinha, segundo o gosto e as exigencias da epoca, de modo que sem desdouro do nome português e castelhano, podesse luzir em qualquer throno da Europa? Que maravilha se, velando de longe pela sua felicidade, desejou vestir-lhe ricamente a alma, augurando- que no convivio com as musas encontraria uma consolação ideal ás mil decepções moraes que a vida não poupa a ninguém, nem mesmo ás princesas? Na fé de que ao cabo de breve prazo a Infanta viria, como esposa do Dauphin, residir na côrte culta e galante de Francisco I onde brilhava Margarida de Navarra, não só pediu e aconselhou, mas ordenou repetidas vezes que aprendesse o latim, e tentasse afeiçoar-se ás letras.
Assim o lemos numa carta que D. Maria escreveu á mãe, quando vencidas as longas agruras da iniciação, começava a avaliar com lucidez o serviço que lhe haviam prestado, occupando-a, interessando-a, ampliando o seu horizonte, acostumando-a a raciocinar e a trabalhar. A principio o estudo lhe fôra penoso. –Frequentemente havia desanimado, em briga com os rudimentos enfadonhos da grammatica, necque laboriosa illa grammaticae fastidia aequo animo ferre non poteram. Mas pouco a pouco, o santo desejo de saber invadiu-a. Conseguiu deleitar-se de veras no trato dos livros, realizando assim a predicção de D. Leonor quod ea res maximam olim mihi voluptatis esset allatura et ornamenti non parum. Se á mãe parecesse bem o estylo da missivazinha, a ella, só a ella, eram devidos louvores. Se, porém, descobrisse defeitos, a Infanta diligenciaria aperfeiçoar-se mais e mais no conhecimento do idioma classico. O estylo é juvenil, de graciosa simplicidade e elegancia. Tentando adivinhar aproximadamente a data de que carece na obra de onde, á falta do original, a copio, calculo, seria escripta entre 1535 e 1537, quando a Infanta contava quinze annos.
Além d'essa amostra conheço apenas mais uma da sua dicção latina, curiosa sob mais de um aspecto. É dirigida a uma soberana estrangeira, cujo perfil já desenhei: Maria Tudor, a bloody Mary, flagello da Inglaterra protestante. A filha de Henrique VIII, subindo ao throno (6 de Julho de 1553), tivera de suffocar uma revolta a favor de Jane Grey, e mandára dggolar o duque de Northumberland que a capitaneava. Felicitando a sua parenta e amiga por ter sahido incolume d'este attentado contra os seus direitos, a Infanta emprega expressões exuberantes de amizade. Não existe quem mais lamente os desgostos da Rainha ou quem mais regozije com a sua prosperidade. As cartas d'ella proporcionam-lhe prazer tal que as agasalha no seio, as acaricia e repete sempre de novo a leitura. Pede resposta rapida, pela qual anceia». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, (1851-1925), Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577) e as suas Damas, edição fac-similada, Enclave de Reabilitação Profissional da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1994, ISBN 972-565-198-7.

Cortesia de BNacional/JDACT