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O Papa-Rei
«(…) O jovem possuía qualidades que, se tivessem sido permitidas desenvolver
sob a direcção do pai, podiam ter feito dele um sucessor digno, como príncipe.
Tinha uma certa insolência atraente, uma habilidade para se desembaraçar de
situações difíceis e considerável coragem pessoal. Procurava por todos os meios
imitar o seu grande pai, mas só se o pudesse fazer com pouco esforço. Não tinha
o desejo nem a intenção de passar dia e noite em trabalho de sapa próprio de
funcionários. Impulsivo, faltava-lhe a habilidade para manter o controlo firme
e abrangente dos homens e acções necessário a ambos os cargos. Nos primeiros
meses do seu reinado liderou uma expedição militar planeada à pressa e mal
organizada contra um senhor rebelde dos Estados Papais que se tinha sublevado,
com premonitória rapidez, à notícia da morte de Alberico. A expedição foi um
fiasco. Uma resoluta demonstração de força fez o exército papal correr à
procura de refúgio, obrigando o jovem Padre à debandada. A vida militar não
era, definitivamente, para si; regressou a Roma e iniciou um estilo de vida que
surpreendeu até os Romanos menos impressionáveis. O regresso do poder temporal
ao Papado atirara de novo a tiara à plebe. As facções, adormecidas durante
vinte anos, ergueram-se novamente, e o
assassínio, o fogo posto e o roubo voltaram às ruas como incidentes casuais da
vida quotidiana. João encorajou as facções tão entusiasticamente como o
pai as tinha reprimido, um jovem nobre desordeiro tentando vencer o mais
turbulento dos seus companheiros e tendo êxito. Era filho do heróico Alberico,
mas era também o neto de Marózia e Hugo da Provença, os dois mais rematados
libertinos que Itália conhecera em muitos anos. Foi a sua linhagem maligna que
em breve dominou a sua natureza, já sob a corrupta influência do poder absoluto,
reprimindo o que pudesse haver de nobre.
A cidade de que o pai cuidara era considerada por João XII um tesouro a
ser espoliado, protegido pelas espadas de uma facção a que ele não fazia mal
algum enquanto se mantivesse no poder. Roma não tinha a classe média que, nas
outras cidades de Itália, originou a democracia limitada dos séculos
posteriores. Não havia mercadores para criar riqueza e actuar como tampão entre
nobres e Povo, pois o principal rendimento de Roma vinha através dos cofres de
S. Pedro: a sua principal indústria
era a produção de sacerdotes e a exploração de peregrinos. A massa do
povo obstinada e sem voz era um elemento completamente imprevisível, que podia
destruir, mas nunca moldar, salvo quando conduzida pelos génios mais raros. O poder da cidade estava completamente nas
mãos das grandes famílias, oculto em exércitos privados em castelos
indestrutíveis. João XII pôde usar os rendimentos dos Estados Papais
para manter os seus grupos armados. Estes revelaram-se inúteis contra os inimigos
externos, mas eram suficientemente bons para aterrorizar Romanos.
Nesta relação com a Igreja, João XII parece que foi impelido para um rumo
de sacrilégio deliberado que foi muito além do gozo casual dos prazeres sensuais.
Era como se o elemento sombrio da sua natureza o incitasse a testar a extensão
máxima do seu poder, um Calígula cristão, cujos crimes eram
peculiarmente horríficos pelo ministério que desempenhava. Mais tarde, foi
especificamente acusado de ter tornado Latrão num bordel; de ele e o seu bando terem violado
peregrinas na própria Basílica de S. Pedro; as ofertas dos humildes
postas no altar eram arrebatadas como saque casual. Era desmesuradamente
apaixonado pelo jogo, no qual invocava os nomes dos deuses desacreditados,
olhados agora universalmente como demónios. O seu apetite sexual era insaciável,
um crime menor aos olhos dos Romanos. O mais grave era que as ocupantes casuais
da sua cama não eram recompensadas com prendas casuais, mas com terras. Uma das
suas amantes estabeleceu-se como senhora feudal, porque ele estava cegamente apaixonado por ela, e nomeou-a
governadora de cidades e até lhe deu as cruzes de ouro e chaves da própria
Basílica de S. Pedro. Fornicação era uma coisa, mas alienar terras era
outra; infringir os direitos da classe de que dependia para o poder era um
gesto caracteristicamente impetuoso e arrogante, mas, para já, João XII estava
imune. A oposição estava fragmentada,
sem líder do seu vil calibre: bom ou mau, ele era o único e constante centro de
Roma». In Russel Chamberlin,
The Bad Popes, Sutton Publishing, 1969, Papas Perversos, Edições 70, Lisboa,
2005, ISBN 972-44-1207-5.
Cortesia Edições 70/JDACT