sábado, 26 de abril de 2014

Viagem ao Fundo das Consciências. A Escravatura na Época Moderna. Maria do Rosário Pimentel. «[…] e estes escrauos sam comprados pela nossa jente que o serenissimo Rey em seus nauios manda, duzentas leguoas aleem d'este castello, em huns ryos honde estaa hua muito grande cidade a que chamam ho Beny, e d'aly os trazem. Ho Reyno do Beny […]»

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Os Descobrimentos e o Tráfico de Escravos. Zonas de Resgate
«(…) As limitações não obstaram a que a ilha de Santiago tivesse desempenhado um papel extraordinário no tráfico desta região. Até 1640, os navios que pretendiam ir traficar aos rios de Guiné, tinham de se dirigir primeiro à alfândega da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, onde, caso necessitassem, recebiam um língua ou intérprete e, de seguida, rumavam para os rios de Guiné. Após o carregamento, os navios eram obrigados a dirigirem-se de novo àquela alfândega para pagarem os respectivos direitos, sendo então autorizados a navegarem para os portos de destinos. A partir de 1640, porém, a situação mudou. O facto dos navios poderem ser despachados directamente dos portos de carregamento sem necessitarem de se dirigirem a Cabo Verde, retirou esse movimento às ilhas. E o aparecimento das grandes companhias de navegação e comércio (entre as quais a Companhia de Cacheu e rios de Guiné (1676), a Companhia de Cabo Verde e Cacheu (1690) e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755) obtiveram o exclusivo do comércio desta região), contribuiu igualmente para a decadência das ilhas. Por essa altura, Santiago perdeu para sempre a sua posição de entreposto do tráfico negreiro.
A costa da Mina, inicialmente dominada pelo comércio do ouro, foi outra zona de resgate que atingiu grande preponderância, sobretudo no século XVIII. Em 1471, iniciou-se o tráfico na região onde, por volta de 1481, se edificou a fortaleza de São Jorge da Mina. Percorrendo a costa para sul, chegou-se na década de oitenta ao reino de Benim; Daomé, na enseada de Benim, foi uma das regiões mais devassadas pelos negreiros, não sendo de estranhar que, por esse facto, fosse designada por costa dos escravos. Aí foi construída a conhecida fortaleza de São João Baptista de Ajudá. Benim, no começo do golfo da Guiné, a pouca distância do forte da Mina, veio a transformar-se num dos maiores fulcros do comércio escravista dos tempos modernos. São Jorge da Mina não só funcionava como entreposto de exportação para Portugal, mas também fornecia mão-de-obra escrava aos negros da floresta equatorial. Os mineiros desta região aurífera precisavam permanentemente de braços para a mineração do ouro e seu transporte até ao litoral. Gradualmente, os mercadores portugueses, sugestionados pelo comércio do ouro, começaram a efectuar o transporte de escravos entre os estados africanos do litoral. Por essa razão afluíam àquela feitoria, quer os escravos da costa da Malagueta, a oeste, quer os do rio dos Escravos, a leste. É ainda Duarte Pacheco Pereira que testemunha esta outra direcção do comércio português em África:

[…] e estes escrauos sam comprados pela nossa jente que o serenissimo Rey em seus nauios manda, duzentas leguoas aleem d'este castello, em huns ryos honde estaa hua muito grande cidade a que chamam ho Beny, e d'aly os trazem. Ho Reyno do Beny […] ho mais do tempo faz guerra aos vezinhos, honde toma muitos catiuos que nós compramos ha doze e quinze manilhas de latam ou de cobre, que elles eslimam, e d’aly sam trazidos ha fortaleza de Sam Jorze da Mina, onde se uendem por ouro.

São Jorge da Mina manteve durante todo o século XVI o seu papel de distribuidor de escravos ao mundo negro das regiões auríferas. É certo que João III parece ter sido assaltado por escrúpulos a tal respeito, uma vez que os negros vendidos para o sertão africano voltavam outra vez às ,aos dos infieis ,com que perdiam o merito do Baptismo e nunca poderiam ser convertidos. Talvez por isso ou porque tivesse em mente a orientação do tráfico para o Brasil, proibiu essa corrente de exportação. Na prática, esta interdição não deve ter resultado. Até porque, segundo João de Barros na Mina se fazia muito proveito [deles] porque os mercadores do ouro os compravam por dobrado preço do que valiam cá no Reyno. Para ali se dirigia grande parte do comércio de exportação, mesmo o mais setentrional». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.

Cortesia de Colibri/JDACT