Os Descobrimentos e o Tráfico de Escravos. Zonas de Resgate
«(…) As limitações não obstaram a que a ilha de Santiago tivesse
desempenhado um papel extraordinário no tráfico desta região. Até 1640, os navios que pretendiam ir
traficar aos rios de Guiné, tinham de se dirigir primeiro à alfândega da
Ribeira Grande, na ilha de Santiago, onde, caso necessitassem, recebiam um língua
ou intérprete e, de seguida, rumavam para os rios de Guiné. Após o carregamento,
os navios eram obrigados a dirigirem-se de novo àquela alfândega para pagarem
os respectivos direitos, sendo então autorizados a navegarem para os portos de
destinos. A partir de 1640, porém, a
situação mudou. O facto dos navios poderem ser despachados directamente dos
portos de carregamento sem necessitarem de se dirigirem a Cabo Verde, retirou
esse movimento às ilhas. E o aparecimento das grandes companhias de navegação e
comércio (entre as quais a Companhia de Cacheu e rios de Guiné (1676),
a Companhia de Cabo Verde e Cacheu (1690) e a Companhia do Grão-Pará
e Maranhão (1755) obtiveram o exclusivo do comércio desta região),
contribuiu igualmente para a decadência das ilhas. Por essa altura, Santiago
perdeu para sempre a sua posição de entreposto do tráfico negreiro.
A costa da Mina, inicialmente dominada pelo comércio do ouro,
foi outra zona de resgate que atingiu grande preponderância, sobretudo no
século XVIII. Em 1471, iniciou-se o
tráfico na região onde, por volta de 1481,
se edificou a fortaleza de São Jorge da Mina. Percorrendo a costa para
sul, chegou-se na década de oitenta ao reino de Benim; Daomé, na
enseada de Benim, foi uma das regiões mais devassadas pelos negreiros, não
sendo de estranhar que, por esse facto, fosse designada por costa
dos escravos. Aí foi construída a conhecida fortaleza de São João
Baptista de Ajudá. Benim, no começo do golfo da Guiné, a pouca distância do
forte da Mina, veio a transformar-se num dos maiores fulcros do comércio escravista dos tempos modernos. São
Jorge da Mina não só funcionava como entreposto de exportação para Portugal,
mas também fornecia mão-de-obra escrava aos negros da floresta equatorial. Os
mineiros desta região aurífera precisavam permanentemente de braços para a
mineração do ouro e seu transporte até ao litoral. Gradualmente, os mercadores
portugueses, sugestionados pelo comércio do ouro, começaram a efectuar o
transporte de escravos entre os estados africanos do litoral. Por essa razão
afluíam àquela feitoria, quer os escravos da costa da Malagueta, a
oeste, quer os do rio dos Escravos, a leste. É ainda Duarte Pacheco
Pereira que testemunha esta outra direcção do comércio português em África:
[…] e estes escrauos sam
comprados pela nossa jente que o serenissimo Rey em seus nauios manda, duzentas
leguoas aleem d'este castello, em huns ryos honde estaa hua muito grande cidade
a que chamam ho Beny, e d'aly os trazem. Ho Reyno do Beny […] ho mais do tempo
faz guerra aos vezinhos, honde toma muitos catiuos que nós compramos ha doze e
quinze manilhas de latam ou de cobre, que elles eslimam, e d’aly sam trazidos
ha fortaleza de Sam Jorze da Mina, onde se uendem por ouro.
São Jorge da Mina manteve durante todo o século XVI o seu papel de distribuidor
de escravos ao mundo negro das regiões auríferas. É certo que João III parece
ter sido assaltado por escrúpulos a tal respeito, uma vez que os negros
vendidos para o sertão africano voltavam outra
vez às ,aos dos infieis ,com que perdiam o merito do Baptismo e nunca
poderiam ser convertidos. Talvez por isso ou porque tivesse em mente a
orientação do tráfico para o Brasil, proibiu essa corrente de exportação. Na
prática, esta interdição não deve ter resultado. Até porque, segundo João de
Barros na Mina se fazia muito proveito
[deles] porque os mercadores do ouro os compravam por dobrado preço do que valiam
cá no Reyno. Para ali se dirigia grande parte do comércio de
exportação, mesmo o mais setentrional». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao
Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de
Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.
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