terça-feira, 29 de abril de 2014

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «… eram os mesmos que haviam conduzido seu pai a “Alfarrobeira”, eles eram os que tinham condenado à morte o seu avô, contribuindo para o prematuro desaparecimento de sua mãe. A consciência desta realidade, a sua atitude para com a facção que simbolizava ‘o outro lado’…»

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O jovem
«(…) A criança que vimos acompanhando foi, a pouco e pouco, crescendo para dar lugar ao jovem que necessariamente surgiu moldado no sistema de múltiplas e contraditórias influências que descrevemos; a personalidade desse jovem foi assim descrita por Garcia de Resende sendo muyto moço veo logo a ganhar tanta auctoridade com os povos, com os nobres e com el-Rey seu pay, que não fazia conselho, nem cousa grande, em que o não metesse, e tomasse seu parecer. Debrucemo-nos de novo sobre o significado da formação intelectual, para tentarmos perceber a sua importância neste príncipe, não perdendo de vista que na formação da personalidade o factor mais determinante é a existência de um ambiente que não só influencie (...) mas sobretudo responda... No dizer de Luís de Matos não há dúvida de que os príncipes e infantes estudaram com maior ou menor aplicação as disciplinas do trívio (gramática latina, lógica e retórica) e alguns deles as do quadrívio (aritmética, geometria, astronomia e música). O cronista Garcia de Resende limitou-se a dizer que o futuro rei João II aprendeu latim.
Elaine Sanceau, embora sem citar fonte, afirmou que o seu interesse ia da Matemática à Medicina, à Geografia, à Astronomia, à cartografia, à Artilharia e à Construção Naval. Quando, em 1490, Cataldo Parísio Sículo proferiu a Oração de boas vindas à princesa D. Isabel, noiva do príncipe Afonso, afirmou de João II: Diz-se que são sete as artes liberais. Este sapientíssimo rei parece não só conhecer todas sete, mas as nove... Sendo as sete artes o trívio e o quadrívio, as outras duas serão, de acordo com Moreira de Sá a oratória e a poesia. Este saber tão vasto de João condiz com a afirmação de Jerónimo Münzer quando escreveu: O rei João II, é um homem instruidíssimo. Nenhum destes elementos, contudo, deixa transparecer a sua formação política. É esse aspecto que iremos tentar abordar. Como já ficou suficientemente documentado, a corrente cultural de nítida influência em Portugal era de importação italiana. E embora Pina Martins considere que em Portugal, como é óbvio, o humanismo não reveste formas de tão nobre altitude espiritual e de tanto interesse histórico e filosófico-teológico como na Itália (...) apesar das relações havidas entre os humanistas portugueses e italianos..., nem por isso a sua força deixou de empurrar o que poderíamos chamar a tendência política nacional. Efectivamente esta época viu Portugal, a par de todo o ocidente europeu, insistir na modificação das estruturas materiais e mentais que permitiram à própria Europa avançar na rota do seu extraordinário destino. Esse destino foi, em Portugal, definitivamente marcado pela escola do jovem Príncipe D. João. Muito influenciado pelo ideal do seu avô de quem, como já ficou dito, os amigos e familiares fariam agigantar a imagem de herói e confrontado com as exigências de um grupo senhorial que procurava influenciar seu pai de modo a manter e aumentar as próprias prerrogativas, João foi definindo o que reprovava. No entanto, no fulgor da sua adolescência e juventude, o Príncipe não contestou nunca a figura de seu pai. Mas os outros, aqueles que rodeavam o soberano, o influenciavam e aumentavam os próprios réditos à custa do depauperamento do erário régio, esses sim, figuravam na lista das discordâncias do Príncipe. Curiosamente eles eram os mesmos que haviam conduzido seu pai a Alfarrobeira, que o mesmo é dizer, eles eram os que tinham condenado à morte o seu avô, contribuindo indirectamente para o prematuro desaparecimento de sua mãe. À medida que crescia no jovem a consciência desta realidade, a sua atitude para com a facção que simbolizava o outro lado tornou-se cada vez mais radical. Esta identificação, aliada a uma nova visão de governo e da pessoa do rei, foram determinantes na opção que o Príncipe fez pela linha política do Regente seu avô. Leituras e eventuais contactos com homens conhecedores de novos caminhos políticos, bem como a influência dos italianos presentes na corte de seu pai, terão levado o jovem a construir o seu próprio projecto de governo. Figuras da Europa mais próxima, como a de Luis XI em França, seriam por ele admiradas na sua àcção centralizadora. Apesar de se reconhecer como ultrapassado o Espelho de Reis de Álvaro Pais, que até ao século anterior fora o manual indicado para a formação dos príncipes; apesar de ser já corrente a sua substituiçío por outros considerados mais actuais, como os de Egídio Romano e de Pier Paolo Vergerio de que já falámos, mesmo assim não era ainda muito claro o caminho a trilhar pelos monarcas deste final do sec. XV». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT