Uma visão de futuro
«(…) O problema,
evidentemente, é que não inventámos um vocabulário adequado a esta imbricação,
esta unicidade da vida social moderna. E, consequentemente, caímos todos na
utilização deste vocabulário que nos foi legado pelo liberalismo do século XIX.
E, consequentemente, reproduzimos sem cessar estas falsas divisões. Nem Godinho nem Braudel nem eu próprio
fomos capazes de evitar totalmente esta armadilha. Considero que a busca de um
outro vocabulário mais realista é uma das principais tarefas que temos ante nós
no século XXI. E, finalmente, há o debate sobre as duas culturas. Construído
simplesmente apenas há dois ou três séculos, aquilo a que se chama o divórcio entre
a ciência e a filosofia domina-nos nas estruturas de saber. A clivagem epistemológica
é um pressuposto basilar da maior parte dos investigadores. Ou se é adepto da
ciência ou humanista. São dois campos, duas religiões, que se defrontam, e nem
sempre de modo pacífico. No entanto, esta antinomia é tão errada e sem
pertinência como as outras antinomias que discutimos.
Desde há trinta anos que
esta clivagem, enraizada nas nossas estruturas universitárias, está a ser posta
em questão por dois movimentos de saber provenientes dos dois campos. Entre os
cientistas, existe agora um forte movimento que se chama as ciências da complexidade, o qual
rejeita o uni-linearismo, o determinismo e o reducionismo da ciência dita
clássica (de Newton a Einstein), em favor de uma ciência que insiste
sobre a impossibilidade intrínseca de prever o facto de que toda a curva tende
a desviar-se do equilíbrio, que rejeita a reversibilidade do tempo e põe em
realce a flecha do tempo. E, entre os humanistas, existe agora um forte
movimento de saber, os estudos culturais, que rejeita os cânones universais da
beleza e insiste na contextualização social de toda a actividade cultural.
O que há que observar é
que estes dois movimentos tendem para um centro ocupado pelas ciências sociais
historizadas, e, portanto, para a possibilidade da restauração de uma
epistemologia única do saber, o que irá ter um impacto profundo não somente
sobre a busca da verdade, mas sobre todas as instituições universitárias que
conhecemos actualmente. Ainda não chegámos à junção destas duas tendências
centrípetas, mas pode sugerir-se que se trata de um campo de trabalho central
para a evolução futura do saber mundial. Por conseguinte, quatro debates
susceptíveis de aplanar o caminho para uma ciência social historizada
infinitamente mais fecunda do que os saberes que conhecemos nos últimos dois
séculos. E, por isso, temos que agradecer a Godinho, não como o único, mas como um dos pioneiros». In tradução de António Sousa Ribeiro.
In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação
ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães
Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica
de Ciências Sociais, nº 69, 2004.
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