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«É bastante obscura a vida de Tomé Pires antes de ter chegado à Índia.
De Malaca escreveu ao irmão João Fernandes uma carta datada de 7 de
Novembro de 1512, que pouca luz faz
sobre o caso; pelo endereço sabe-se que o irmão estava em Lisboa e há no texto
referências a familiares, nomeadamente a um cunhado que vivia com o signatário;
além disso, Pires confessa que enriquecera,
mas não incita o destinatário a seguir-lhe o exemplo, antes lhe dá a entende que
o não faça, por causa dos trabalhos em que estaria envolvido se intentasse tal
aventura. Do que avulsamente nos dizem as crónicas apura-se que seu pai desempenhava
o lugar de boticário de João II, e que ele se lançara na mesma profissão, sendo
apontado por Fernão Lopes de Castanheda como boticário do príncipe Afonso; e a informação é de certo modo
corroborada por Afonso de Albuquerque, que numa carta o designa por boticário do príncipe. O facto de o
governador ter silenciado o nome deste levou os historiadores a
desentenderem-se, pois alguns pretendem que tal príncipe fosse o futuro João III. É um problema de secundária
importância, e até prova em contrário devemos aceitar o que de modo tão afirmativo
nos transmitiu Castanheda. O príncipe será, pois, o único filho legítimo de
João II, falecido prematura e desastrosamente em 13 de Julho de 1491.
Para exercer o cargo de boticário deste infante de Portugal, não podia Pires ter menos de uns vinte a vinte e
cinco anos à data do desastre que vitimou o herdeiro do trono, o que situa o
nascimento do boticário entre os anos de 1465 e 1470. Armando Cortesão,
a quem se deve a melhor biografia de Tomé Pires, chama de resto a atenção
para os termos em que o seu biografado, numa carta de 10 de Janeiro de 1513, alude a Pêro Pessoa, que sucedera
ao experiente Rui Araújo como feitor de Malaca; com efeito, Pires considera-o tão mancebo, dando a entender que lhe repugnava, como escrivão,
servir sob as suas ordens. Isto mostra que seria homem de idade madura, entre
os quarenta e três e os quarenta e oito anos, se está certa a nossa hipótese acerca
da data do seu nascimento. Em um outro passo da mesma carta parece confirmar
essa indicação acerca da sua idade; de facto, apontando a grande importância da
posse de Malaca para a coroa portuguesa, deseja que nela estivessem três ou quatro homens de barbas brancas que
não entrassem na fazenda de El-Rei; o homem experiente, que ele era, tinha
dúvidas quanto à qualidade do serviço de gente jovem, posição que parece
confirmar que já não seria novo.
Quanto ao lugar do seu nascimento, tem sido apontada a cidade de
Leiria. Quem espalhou a notícia foi Faria Sousa, mas a origem dela está na Peregrinação,
de Fernão Mendes Pinto; diz este aventureiro que, no decurso das suas deambulações
pela China, em 1543, encontrara uma
luso-chinesa, que sabia algumas palavras de português e declarou chamar-se Inês
de Leiria; seria filha de Tomé Pires, e o patronímico
indicaria a terra da origem do seu progenitor. E uma suposição plausível, que
em todo o caso não convenceu Armando Cortesão, pois a considerou mera conjectura. Pires partiu para a Índia na armada de Garcia de Noronha, que
largou de Lisboa em Março ou Abril de 1511;
só duas das seis velas da armada chegaram no mesmo ano ao seu destino, segundo
diz o Livro das Armadas, e Pires
teve a sorte de seguir embarcado em uma delas. Segundo ele mesmo afirma, em
carta endereçada a Afonso de Albuquerque, ia despachado como feitor das
drogarias, tendo três homens ao seu serviço, que com ele embarcaram em Lisboa; além
disso, ter-lhe-ia sido também entregue uma
botica, avaliada em quatro ou cinco mil reais, que levou consigo. Sabe-se
ainda que o lugar lhe rendia de vencimento trinta mil reais por ano e que tinha
o direito de negociar anualmente vinte quintais de drogas, à sua escolha; pelo
menos durante algum tempo, Pires
optou pela canela. Armando Cortesão diz-nos que terá chegado a Cananor à
volta de l0 de Setembro de 1511, tendo-se instalado nessa fortaleza, onde de facto
exerceu o cargo para que ia nomeado, como é lícito inferir da leitura de uma
das cartas que dele se conservam». In Luís de Albuquerque, Navegadores,
Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Afonso de Albuquerque,
Editorial Caminho, Lisboa, 1987.
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