A Primeira Transmissão de Poderes- 1557. Os termos de uma definição de
regência
«O rei João III, o rei Piedoso,
morreu em Lisboa em 11 de Junho de 1557,
deixando como herdeiro um menino de 3 anos. Com a sua mortre inicia-se um
período de regência, que vai durar até 20 de Janeiro de 1568. São onze anos de luta política, de despique entre
personalidades e facções, grupos de opinião e interesses diversos. O imperador
Carlos V tinha abdicado, dividindo o seu vasto Império. Não obstante, se cedera
a representação do poder ao filho e ao irmão, não deixava, por isso, de se
inquietar e de se impor, com maior ou menor sucesso, na política de Castela, da
Flandres, de Itália, pretendendo influir, através dos seus parentes próximos, por
uma política de família, na Boémia e Hungria, na França e em Portugal.
À morte de João III, o recolhido de Yuste volta a lembrar as possibilidades
entrevistas por ocasião do casamento de seu filho, o príncipe Filipe, com a
infanta portuguesa D. Maria, como tentara obter do rei de Portugal assentimento
para o consórcio e para o reconhecimento dos direitos da infanta à sucessão do
trono de seu pai caso se extinguisse a linha, sucessória de seu irmão, o
príncipe João. Nascido em Castela o príncipe Carlos, poderia ele um dia
vir a herdar o reino de Portugal. Nesta mesma linha política, fora exigida a
retirada de Portugal da princesa D. Joana de Austria, mãe de Sebastião. Não tinha convindo a Castela
a sua permanência em Lisboa. Era necessário a Castela que não estivesse aí para
se não dividir o partido espanhol. Foi chamada, por isso, para regente de outro
reino e educadora de outro príncipe. Apesar de ter acatado a decisão, D. Joana
representará, porventura, não tanto a cooperadora política espanhola em
Portugal, mas uma interlocutora da política portuguesa em Espanha.
Como Alfonso Danvila e Burguero salientou, não eram unânimes as posições
dos membros da família real castelhana sobre o que iria passar-se em Portugal à
morte de João III: D. Joana pretendia defender a posição de seu filho; o
imperador visava abrir caminho à integração dos reinos peninsulares; Filipe
pretendia obter uma declaração a favor de seu filho, o príncipe Carlos, como legítimo
herdeiro da coroa de Portugal. De facto, a iniciativa na definição de posições
coube à princesa D. Joana: logo após a morte de João III ela dirigiu-se à
rainha e ao conselho português, lembrando os direitos de seu filho e os seus
próprios direitos a ser ouvida no que se referisse à sua criação e casa. Para
isso redigiu instruções para a missão a desempenhar em Lisboa por Fradique
Enriquéz Guzman, a quem entregou cartas para o duque de Aveiro, para o conde de
Castanheira, para Lourenço Pires Távora e para Pero Alcáçova Carneiro. Bem
sabemos como Carlos V se interpôs, substituindo as instruções, modificando o
sentido da missão e retendo as cartas que tinham sido emitidas para algumas
individualidades portuguesas. Justificando-se por se considerar mais bem
informado pelo que lhe transmitiam Juan Hurtado Mendoza e Sancho Córdoba,
assina em Yuste, em 5 de Julho de 1557,
novas instruções.
Pelo novo texto, o imperador pretendia saber, antes de mais, como se
punha o problema quanto à sucessão do trono de Portugal. Acedia em aludir ao
que D. Joana pretendia, sem, no entanto, a nomear. Carlos V conseguiu, assim,
tomar precauções relativamente à influência que D. Joana podia vir a ter em
Portugal e Castela, como defensora dos direitos de Sebastião, e fazer entender que à Espanha não interessava tomar atitudes
definidas por enquanto. Muito menos à própria mãe do rei se poderia desculpar
qualquer intervenção que incorresse em prejuízo de Castela. Era esta a
perspectiva do imperador, pelo que nas instruções dadas a Juan Mendoza Ribera,
além do que lhe fora recomendado, pessoalmente, no conselho de estado por Juan
Vazquez e pelo marquês de Mondéjar, falava naquilo que dizia respeito á lo de la gobernación de Portugal y lo
de la sucesion de aquel reino como processo não definido ainda e que
pretendia acautelar, pois, quanto à atitude de D. Joana, ela contribuía para
definir o processo. Segundo esta posição, D. Joana deveria falar como
governadora de Castela, e não como mãe do rei de Portugal. E fora de tal modo
peremptória a ordem de Carlos V que, mais tarde, sobrevindo uma enfermidade à
rainha D. Catarina e sendo consultada a princesa pelo imperador si quería que la Reina publicase uma
Pragmática ordenando que, si S. A. faltaba, le sucediese en la tutela y
gobernación del Reino su nuera, D. Joana respondera, segundo Danvila y
Burguero, atinadamente [...], devolviendo
á sua padre la lección qu'este le diera, que como su suegra estaba malquista en
el Reino con algunas personas y ella estaba bien, teñia amigos, e era, además,
cosa de derecho, mejor sería que Doña Catalina no hiciera nada. Como se
vê, D. Joana sabia que tinha influência em Portugal. Não nos devemos esquecer
deste ponto sempre que se tratar do seu regresso». In Maria do Rosário Azevedo Cruz,
As Regências na Menoridade de D. Sebastião, Elementos para uma História
Estrutural, Temas Portugueses, Imprensa Nacional-Cazsa da Moeda, 1992, ISBN
972-27-0527-X.
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