Jesus amava as mulheres
«(…) A escola encheu
nossas cabeças de histórias sobre generais geniais e legisladores brilhantes.
Mas Roma também era outra coisa. As mulheres eram consideradas animais de
propriedade dos pais e maridos, que tinham o direito de bater nelas e matá-las.
Uma mulher romana digna era aquela que, assediada por um malfeitor, tirava a
própria vida. Não tanto para salvar a própria honra, mas para glorificar a do
marido. As crianças, na escola, conheciam bem o chicote e os professores tinham
exemplares de várias formas e tamanhos pendurados na sala de aula. Como
acontece ainda hoje em alguns lugares do planeta, em Roma, também, os bebés
recém-nascidos do sexo feminino muitas vezes eram sufocados ou abandonados. As
recém-nascidas abandonadas com mais sorte, muitas vezes, eram pagas por
vendedores de escravos, que as criavam e, aos 5 ou 6 anos, começavam a
prostituí-las. Júlio César não pode, no entanto, ser considerado o inventor do extermínio
em massa, antes dele, conhecemos outros matadores extraordinários, hititas,
assírios, babilónios, mas o divino Júlio com certeza pode ser eleito o aperfeiçoador
emérito do genocídio organizado. Em De Bello Gallico, explica como
organizou e lançou a horda de bandidos gauleses e germânicos contra o povo
eburone, culpado de não querer se sujeitar ao Império, oferecendo aos criminosos
asilo e protecção em seus acampamentos fortificados. O futuro imperador depois
narra, com certo prazer, como conseguiu aplicar toda a espécie de infâmias,
traições e armadilhas, até eliminar definitivamente da face da Terra a raça dos
eburones. Foi o primeiro comandante a matar todos os habitantes de uma cidade,
incluindo crianças, para puni-los por terem resistido (Moisés, pelo menos,
depois de conquistar a cidade de Madian, poupou as mulheres virgens).
Por séculos, os romanos
se divertiram vendo prisioneiros de guerra lutando entre si nos circos. Num
único mês, o imperador Diocleciano fez quarenta mil homens matarem-se no
Coliseu, mais de mil por dia, enquanto uma multidão exaltada bebia vinho
misturado com mel e chumbo, fumava ópio, fazia negócios e copulava com
prostitutas e prostitutos, na maioria pré-adolescentes. A quantidade de sangue
e de órgãos esquartejados não os incomodava e em parte era coberta pelo fedor
de vómito, já que os romanos, para continuar enchendo-se de comida e bebida,
tinham o hábito de enfiar dois dedos na garganta para vomitar o que acabavam de
ingerir. O cristianismo fora maltratado cruelmente e sofria havia mais de um século
as perseguições do poder imperial. Os cristãos eram arrastados até às arenas,
onde eram massacrados entre os gritos e as risadas de uma multidão de apaixonados
pelo genocídio lúdico. Então, de repente, os perseguidores se tornam paladinos
da Igreja. Teologia, rituais, interpretações do Evangelho são cuidadosamente
transformados e adaptados à linguagem e ao pensamento do poder romano. O
cristianismo não redime quem havia martirizado os primeiros cristãos, e sim se
limita a servir a eles.
As histórias sobre as
conversões dos imperadores quase sempre são feitas colossais. Constantino é
aquele que adopta o cristianismo como religião oficial do Império. O mesmo
imperador que mandou matar o próprio filho, a mulher, o sogro e o cunhado. Reza
a lenda que Jesus apareceu para ele e lhe prometeu vitória na batalha em troca
da adopção do cristianismo como única religião do mundo civilizado e do uso do símbolo da cruz, alçado de
forma triunfante na batalha. Naturalmente, nem todos os seguidores de Jesus
concordaram com esse pacto, que implicava uma verdadeira renúncia aos valores
cristãos fundamentais. E, então, um dos primeiros gestos cristãos de
Constantino foi perseguir todos os cristãos que seguiam o Evangelho
literalmente e, assim, forçosamente, estavam em conflito com os devotos do
poder. Um sem-número deles foi morto, outros tantos acabaram no exílio,
desprovidos de qualquer bem, outros foram reduzidos à escravidão.
Lutas fratricidas
Os primeiros séculos do cristianismo são marcados por contínuas investidas
contra os cristãos que não aceitaram os ajustes e as interpretações dos ditames
do Filho de Deus. A elas se alternam lutas pela divisão do poder entre papas e
imperadores, papas e antipapas, papas e bispos, bispos e bispos, numa sucessão
de conspirações, cismas e lutas que não excluíam a força física. É
quase impossível reunir todos os acontecimentos sanguinários que primeiro
assolaram a Europa e, depois, o mundo, e que nasceram de conflitos pelo poder
nos quais a Igreja se interpôs entre as forças combatentes. Milhões de pequenas
conspirações, guerrinhas e ameaças que ninguém nunca contou. Aqui, limitamo-nos
a citar os eventos mais importantes, mas confiamos na imaginação para completar
o quadro da situação da fé naquela época. Os níveis máximos de fúria eram
atingidos exactamente quando se devia sufocar o renascimento das ideias
originais de Jesus. Elas nunca deixaram de acordar as pessoas para a dignidade
e a celebração do valor colectivo do amor cristão. O que testemunha esse poder
extraordinário da palavra de Jesus é o surgimento, durante séculos após seus
ensinamentos, das incríveis utopias sociais e comunitárias, que funcionavam
muito bem até a chegada dos soldados do papa e do imperador, excepcionalmente
reunidos para massacrar os cristãos que viviam em comunidade, sem autoridade ou
impostos». In Jacopo Fo, Sérgio Tomat, Laura Malucelli, Il Libro nero del
cristianesimo, O Livro Negro do Cristianismo, Itália, 2000, 2005, Ediouro, Rio
de Janeiro, Brasil, 2007, ISBN 85-000-1964-6.
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