Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Entretanto, em Agosto, a Ditadura é atacada por dentro; com o
apoio de elementos integralistas vários
tenentes afectos a Gomes da Gosta (comandante Filomeno Câmara, tenente
Henrique Galvão, tenente Alfredo Morais Sarmento, capitão David Neto, Fidelino Figueiredo
e António Ferro) procuram, em vão, tomar o poder através de uma iniciativa
militar coadjuvada por civis posicionados em lugares-chave do Estado. Segundo António
Costa Pinto, o golpe dos Fifis,
(12
/ 8 / 1927) constituiu o
primeiro sinal de resposta do sector fascizante ao seu afastamento forçado do poder,
radicalizado pela tentativa de entregar a vice-presidência do Ministério ao
coronel Abílio Passos Sousa (a nomeação do Ministro da Guerra para a vice-presidência
do Ministério, em 11 / 8 /.1927, foi vista pelos observadores estrangeiros da
seguinte forma: O coronel Passos Sousa demitiu-se do lugar de vice-presidente
do Ministério [26/8/27], oficialmente porque considerava não poder acumular os
novos deveres com os do Ministério da Guerra, na prática porque, existindo duas
correntes de opinião diferentes no seio do Exército, considerou impossível constituir
um ministério que reunisse o apoio de todo o Exército).
Mas neutralizada a acção revolucionária nas ruas e contidas as
belicosidades da direita, resta ao republicanismo conservador restabelecer a normalidade
constitucional. Vicente Freitas (representante da ala liberal das chefias
militares, identifica-se com o grupo de oficiais republicanos conservadores que
consideram a Ditadura Militar como uma solução provisória necessária para
preparar o regresso a um regime democrático mais eficaz, o que o coloca em
choque aberto com Salazar), tutelar da pasta do Interior de 26 de Agosto de
1927 a 8 de Julho de 1929 promete, em Dezembro de 1927, a realização de eleições administrativas, anuncia um novo
projecto de lei eleitoral e dá início ao recenseamento para as eleições
presidenciais de Carmona, nas quais caberia à recém-criada União Nacional
Republicana (UNR) um papel de apoio à Ditadura. Mas, no
exterior, a LDR/LP alega a inconstitucionalidade do empréstimo e, a este
respeito, os vários estudos de Salazar, ainda regente das cadeiras de Finanças
e de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(FDUC), publicados no Novidades de
Janeiro a Abril de 1928, firmam a sua
posição contra o recurso ao crédito externo sem o prévio estabelecimento do equilíbrio
orçamental. Empenhado na defesa de uma alternativa clara e tecnicamente
correcta à política financeira seguida pela Ditadura Militar, o professor
de Coimbra adianta já algumas das soluções para a profunda crise financeira que
o país atravessa.
Perante a impossibilidade física de Sinel Cordes, Ivens Ferraz,
ministro do Comércio e interinamente das Finanças, desloca-se a Genebra para
encetar as negociações com os técnicos da Secção Económica e Financeira da SDN,
que meses antes tinham estado em Portugal para avaliar a real situação do país.
Porém, as condições impostas pela SDN (a nomeação de um oficial de
ligação junto do Governo Português com funções de controle e o direito do
Comité enviar a Portugal, no caso de incumprimento do protocolo, uma comissão financeira,
composta por 3 membros, para administrar as receitas consignadas ao serviço do empréstimo),
atentatórias do brio nacional,
levam o ministro a declinar quer as condições quer a proposta de adiamento
(...). A notícia de que a SDN submetia a aprovação do
empréstimo à aceitação das condições impostas pelo seu comité financeiro (..) foi recebida em Portugal com grande
perplexidade e indignação. Artigos violentos de todas as correntes de opinião
surgiram na imprensa portuguesa (...) e, no dia 16 de Março, à sua
chegada a Lisboa, Ivens Ferraz é aclamado por milhares de pessoas, no Rossio,
numa manifestação organizada pela Liga 28 de Maio, a que também adere a Cruzada
Nacional Nuno Álvares Pereira (fundada em Julho de 1918 pelo tenente João
Afonso Miranda, a Cruzada Nun'Álvares surge como uma pequena liga nacionalista
que opera, em 1926, uma viragem ideológica fascizante. Martinho Nobre Melo foi
um dos seus principais ideólogos pós-28 de Maio).
Se, por um lado, a recusa dos delegados portugueses na SDN, genericamente
bem aceite pelos vários quadrantes da opinião pública granjeia popularidade para
o Governo, por outro apressa um novo tipo de solução para a crise. Tanto
mais que, em nome da redução das despesas públicas, o Governo decreta a extinção da Faculdade de Direito de Lisboa, da
Faculdade de Letras do Porto, da Faculdade de Farmácia e da Escola Normal
Superior de Coimbra, do Liceu da Horta e das Escolas Normais Primárias de
Coimbra, Braga e Ponta Delgada, dando início ao maior movimento académico registado
durante a Ditadura Militar que culminaria, um mês depois, na greve das três
universidades do país e se manteria em movimento de protesto até Outubro
seguinte.
Sem finanças nem política financeira, Sinel Cordes é exonerado do Ministério
das Finanças em 18 de Abril e substituído, em 26 do mesmo mês, por Salazar na
respectiva tutela. Mau grado o curso reformista que a eleição de Carmona para a presidência da República (em 25 de
Março) e a nomeação de José Vicente Freitas (em 18 de Abril), para
presidente do 4.º Ministério, emprestam à Ditadura Militar, a ausência de um
projecto político coerente e apoiado faz tremer a liderança dos militares
republicanos conservadores no poder. É nestas circunstâncias que ganha força o
programa alternativo proposto pelo mago
das finanças. Nas suas Condições da
Reforma Financeira, o professor de Coimbra arroga-se o direito de veto
sobre as despesas dos demais ministérios, tutelando-lhes a acção, com o fim
último de alcançar o equilíbrio orçamental há tanto reclamado pelas forças vivas. Pouco depois, hierarquiza os problemas nacionais e a ordem da sua
solução e, subordinando tudo o mais ao sacrifício que o equilíbrio das
contas públicas exige, prossegue uma política financeira de austeridade que
conta com o apoio das Forças Armadas para conter a impopularidade dela
resultante e assegurar a ordem pública». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis
Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN
972-772-201-6.
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