sábado, 3 de maio de 2014

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «… com o objectivo de constituir um ‘contra-poder’ da direita radical ao projecto de partido da Ditadura Militar, a União Nacional Republicana. Mais tarde, viria a constituir a plataforma de arranque do ‘Movimento Nacional-Sindicalista’»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Entretanto, em Agosto, a Ditadura é atacada por dentro; com o apoio de elementos integralistas vários tenentes afectos a Gomes da Gosta (comandante Filomeno Câmara, tenente Henrique Galvão, tenente Alfredo Morais Sarmento, capitão David Neto, Fidelino Figueiredo e António Ferro) procuram, em vão, tomar o poder através de uma iniciativa militar coadjuvada por civis posicionados em lugares-chave do Estado. Segundo António Costa Pinto, o golpe dos Fifis, (12 / 8 / 1927) constituiu o primeiro sinal de resposta do sector fascizante ao seu afastamento forçado do poder, radicalizado pela tentativa de entregar a vice-presidência do Ministério ao coronel Abílio Passos Sousa (a nomeação do Ministro da Guerra para a vice-presidência do Ministério, em 11 / 8 /.1927, foi vista pelos observadores estrangeiros da seguinte forma: O coronel Passos Sousa demitiu-se do lugar de vice-presidente do Ministério [26/8/27], oficialmente porque considerava não poder acumular os novos deveres com os do Ministério da Guerra, na prática porque, existindo duas correntes de opinião diferentes no seio do Exército, considerou impossível constituir um ministério que reunisse o apoio de todo o Exército).
Mas neutralizada a acção revolucionária nas ruas e contidas as belicosidades da direita, resta ao republicanismo conservador restabelecer a normalidade constitucional. Vicente Freitas (representante da ala liberal das chefias militares, identifica-se com o grupo de oficiais republicanos conservadores que consideram a Ditadura Militar como uma solução provisória necessária para preparar o regresso a um regime democrático mais eficaz, o que o coloca em choque aberto com Salazar), tutelar da pasta do Interior de 26 de Agosto de 1927 a 8 de Julho de 1929 promete, em Dezembro de 1927, a realização de eleições administrativas, anuncia um novo projecto de lei eleitoral e dá início ao recenseamento para as eleições presidenciais de Carmona, nas quais caberia à recém-criada União Nacional Republicana (UNR) um papel de apoio à Ditadura. Mas, no exterior, a LDR/LP alega a inconstitucionalidade do empréstimo e, a este respeito, os vários estudos de Salazar, ainda regente das cadeiras de Finanças e de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), publicados no Novidades de Janeiro a Abril de 1928, firmam a sua posição contra o recurso ao crédito externo sem o prévio estabelecimento do equilíbrio orçamental. Empenhado na defesa de uma alternativa clara e tecnicamente correcta à política financeira seguida pela Ditadura Militar, o professor de Coimbra adianta já algumas das soluções para a profunda crise financeira que o país atravessa.
Perante a impossibilidade física de Sinel Cordes, Ivens Ferraz, ministro do Comércio e interinamente das Finanças, desloca-se a Genebra para encetar as negociações com os técnicos da Secção Económica e Financeira da SDN, que meses antes tinham estado em Portugal para avaliar a real situação do país. Porém, as condições impostas pela SDN (a nomeação de um oficial de ligação junto do Governo Português com funções de controle e o direito do Comité enviar a Portugal, no caso de incumprimento do protocolo, uma comissão financeira, composta por 3 membros, para administrar as receitas consignadas ao serviço do empréstimo), atentatórias do brio nacional, levam o ministro a declinar quer as condições quer a proposta de adiamento (...). A notícia de que a SDN submetia a aprovação do empréstimo à aceitação das condições impostas pelo seu comité financeiro (..) foi recebida em Portugal com grande perplexidade e indignação. Artigos violentos de todas as correntes de opinião surgiram na imprensa portuguesa (...) e, no dia 16 de Março, à sua chegada a Lisboa, Ivens Ferraz é aclamado por milhares de pessoas, no Rossio, numa manifestação organizada pela Liga 28 de Maio, a que também adere a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira (fundada em Julho de 1918 pelo tenente João Afonso Miranda, a Cruzada Nun'Álvares surge como uma pequena liga nacionalista que opera, em 1926, uma viragem ideológica fascizante. Martinho Nobre Melo foi um dos seus principais ideólogos pós-28 de Maio).
Se, por um lado, a recusa dos delegados portugueses na SDN, genericamente bem aceite pelos vários quadrantes da opinião pública granjeia popularidade para o Governo, por outro apressa um novo tipo de solução para a crise. Tanto mais que, em nome da redução das despesas públicas, o Governo decreta a extinção da Faculdade de Direito de Lisboa, da Faculdade de Letras do Porto, da Faculdade de Farmácia e da Escola Normal Superior de Coimbra, do Liceu da Horta e das Escolas Normais Primárias de Coimbra, Braga e Ponta Delgada, dando início ao maior movimento académico registado durante a Ditadura Militar que culminaria, um mês depois, na greve das três universidades do país e se manteria em movimento de protesto até Outubro seguinte.
Sem finanças nem política financeira, Sinel Cordes é exonerado do Ministério das Finanças em 18 de Abril e substituído, em 26 do mesmo mês, por Salazar na respectiva tutela. Mau grado o curso reformista que a eleição de Carmona para a presidência da República (em 25 de Março) e a nomeação de José Vicente Freitas (em 18 de Abril), para presidente do 4.º Ministério, emprestam à Ditadura Militar, a ausência de um projecto político coerente e apoiado faz tremer a liderança dos militares republicanos conservadores no poder. É nestas circunstâncias que ganha força o programa alternativo proposto pelo mago das finanças. Nas suas Condições da Reforma Financeira, o professor de Coimbra arroga-se o direito de veto sobre as despesas dos demais ministérios, tutelando-lhes a acção, com o fim último de alcançar o equilíbrio orçamental há tanto reclamado pelas forças vivas. Pouco depois, hierarquiza os problemas nacionais e a ordem da sua solução e, subordinando tudo o mais ao sacrifício que o equilíbrio das contas públicas exige, prossegue uma política financeira de austeridade que conta com o apoio das Forças Armadas para conter a impopularidade dela resultante e assegurar a ordem pública». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT