Calhamaço primeiro. A Lota
O livre-câmbio não é um princípio
teórico: é uma conveniência.
«(…) Do judeu Rodrigo López e da sua morte no patíbulo fala Shakespeare
em o Mercador de Veneza. As crónicas daquele
tempo assinalam que Rodrigo López, mais conhecido por Catalino Toledo,
ostentava suíças berberes, para melhor dissimulação, e coleccionava onças de
ouro e ágeis escravos capazes de trotar durante noventa minutos. De nada lhe
valeu, dado que a sua alma arde nos infernos (como é mais provável). Catalino
Toledo alimentava-se de minhocas da terra, para se conservar eternamente jovem,
e só bebia leite de burra aromatizado com três pitaditas de canela de Ceilão:
uma para convocar os maus pensamentos, outra para lhe despertar as palpitações
do paladar, e a terceira para eventualidades e imprevistos. Com as suas manhas
e indisciplina, Catalino Toledo trouxe os familiares do Santo Ofício (maldito) pelas ruas da amargura. - E é verdade que teve um pacto com o diabo?
- Pois, olhe, senhor, isso não se pode saber, mas também não me admiraria.
Catalino Toledo era um hereje muito atrevido e eficaz, muito descarado e seguro
de si mesmo.
No século XIX, um descendente de Catarino Toledo, o jovem bem parecido
Memio López Valbuena, mais conhecido por Drogón Toledo, chegou a guarda de Corps,
ofício de que foi afastado devido à sua amizade com o poeta Espronceda. Drogón
Toledo morreu em Vera de Bidasoa, pelejando às ordens de Chapalangana. - E como é que Drogón não foi comerciante?
- Pois
é como vê: pelos vistos andava muito entretido com essa coisa do Romantismo.
Um dos bisnetos do amigo de don José de Espronceda e soldado de don Joaquín de
Pablo, Chapalangarra, vamos lá, quer nomear um dos bisnetos do Drogón de
Toledo, o bisneto a quem chamam Timolao López Laguna, mais conhecido por Quincio
Toledo, é actualmente patrão de pesca de um clube de possíveis, e já fez, pelo
menos, doze viagens ao fim do mundo com o propósito de contratar Pipí e Popó, a
pérola Negra e o Diamante Negro, respectivamente. Tanto Pipí como Popó são
difíceis de contratar porque, no seu país de origem, o governo, em defesa dos
interesses pátrios, arbitrou muito avultadas remessas do orçamento nacional com
o objectivo de prevenir a catástrofe que representaria a partida dos dois
mancebos negros retintos para o estrangeiro.
Na capital da república, o eleitorado (alguns chamam-lhe afición)
saiu para a rua ao duplo grito de Pipí, Popó, enquanto os operadores dos
noticiários cinematográficos recolhiam momentos tão históricos em centenas e
centenas de metros de filme. o ministro dos Negócios Estrangeiros, dirigindo-se
à multidão excitada, asseverou que o seu país iria colocar perante a ONU a predação
que tentavam levar a cabo os inimigos históricos da democracia, neste caso com
a ajuda das oligarquias internacionais e com o desprezo do princípio da
autodeterminação». In Camilo José Cela, Once Cuentos de Futbol, 1963, Onze Contos de
Futebol, Edições ASA, Porto, 1994, ISBN 972-41-1305-1.
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