Passos de gigante
«(…) Talvez a experiência militar adquirida nesses teatros de
operações, no quais certamente se destacou, por um lado, bem como o contacto estreito
com as mais altas individualidades da hierarquia santiaguista, designadamente
com o Mestre, por outro, tenham contribuído para que tivesse sido escolhido, no
Capítulo Geral reunido em Uclés entre Março e Agosto de 1232, no qual esteve presente, para ocupar o cargo de
comendador-mor de Alcácer a mais alta dignidade da Ordem em Portugal. E numa
altura em que a Coroa portuguesa praticamente abdicara do protagonismo das
acções ofensivas da Reconquista, ninguém melhor que um guerreiro experiente,
voluntarioso e com uma boa teia de relacionamentos nos lugares de topo da Ordem
para assumir as rédeas do avanço das forças cristãs em direcção ao Sul. A sua
escolha é, por isso, perfeitamente compreensível, justificada e terá certamente
sido bem acolhida por Sancho II.
A primeira operação militar que coordenou e em que participou ao comando
dos Espatários portugueses terá sido a conquista, em 1234, do castelo de Aljustrel, no extremo sul da bacia do Sado, que
viria a ser formalmente entregue à Ordem, no ano seguinte, pel’O Capelo. Será essa fortaleza, em estreita
articulação com outras de menor dimensão como Ferreira, Messejana, Castro Verde
e talvez o Alvito, conquistadas no início dessa ofensiva, a principal base de
operações dos Santiaguistas para as campanhas dos anos seguintes e cujo
objectivo final era a submissão do Algarve.
É com esse propósito que a Ordem de Santiago leva a cabo uma complexa e
demorada operação logística e de planeamento, fazendo deslocar para Aljustrel
homens, armas, munições e mantimentos, mobilizando contingentes, recolhendo
financiamentos, recorde-se a doação feita pelo rei em Outubro de 1235 dos direitos das igrejas de
Palmela, de Alcácer e, em 1237 de
Almada, etc... Mas toda essa preparação deve ter também exigido um enorme
esforço ao nível da recolha de informações, nomeadamente acerca dos difíceis
caminhos da serra algarvia, muitas das quais fornecidas por Garcia Rodrigues,
que a Crónica da Conquista do Algarve identifica como tratando-se de
um mercador, mas que mais parece tratar-se de um líder de uma das muitas companhias
de almogávares que actuavam na fronteira meridional. De facto, a travessia da
serra constituía um empreendimento de tal forma complexo e arriscado que o
plano para alcançar as fortalezas do centro do Algarve através de uma ofensiva
directa acabou por ser abandonado. Como demonstravam as informações entretanto
recolhidas, era consideravelmente mais seguro contornar a serra pelo flanco
leste, ao longo do Guadiana. Contudo, a adopção desta estratégia também não
deve ter sido uma tarefa fácil, como se percebe pelo facto de decorrerem quatro
anos entre a conquista de Aljustrel e o recomeço da ofensiva em direcção ao
Sul.
Assim, em 1238 e com o apoio
da hoste de Martim Anes do Vinhal, primo direito de Paio Peres Correia, os
Santiaguistas dominam a praça-forte de Mértola, chave de uma importante encruzilhada
de estradas terrestres e fluvial. As fontes indicam-nos que a conquista foi
levada a cabo através de uma operação furtiva, como as que celebrizaram
Geraldo, O Sem-Pavor, embora se
desconheçam os contornos precisos da expedição. Sabe-se, no entanto, que os
atacantes penetraram na fortaleza durante a noite, através da Torre de Oeiras,
a partir da qual conseguiram subjugar a guarnição inimiga e, assim, apossar-se
da fortaleza. Será para aí que, pouco tempo depois, transferem a sua sede conventual,
tal como haviam feito, anos antes, com a passagem de Palmela para Alcácer,
porque a oscilação da fronteira exigia o reposicionamento dos quartéis das
milícias, não só de forma a garantir a posse dos territórios conquistados, mas
sobretudo para facilitar as novas ofensivas, como foi já sublinhado por Isabel
Cristina Fernandes». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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