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Guerra
e diplomacia
«(…) Mapas eram importantes não só no teatro da guerra, mas no contexto
das negociações diplomáticas que se seguiam a elas. Nesse aspecto, o Congresso
de Utrecht (1712-1715) ocupou um ponto de inflexão decisivo no uso da
cartografia como instrumento de persuasão política. Em Utrecht, esse novo uso
da cartografia em conjunto com documentos e relatos foi experimentado
primeiramente pelos ingleses, quando estes, em Dezembro de 1712, foram negociar com os franceses as terras em disputa na
América do Norte. As ordens que os embaixadores franceses dispunham sobre quais
territórios poderiam ser cedidos eram vagas e imprecisas, pois a instrução não fala nada dos limites que
devem dividir por terra a Nova França de um lado, e as possessões inglesas de
outro. Isso os colocou em desvantagem frente aos ingleses que, por sua vez,
chegaram muito bem preparados, munidos de vários documentos, inclusive mapas.
Para negociar, as duas delegações se basearam então numa carta que representava
a Nova França, na América setentrional, comunicada
pelos ingleses, e na qual eles mesmos tinham traçado, com uma linha rosa, as
bordas dos dois estados que eles pretendiam estabelecer desde as margens das
terras de Labrador, a leste, até a costa do continente em direção oeste. Os
franceses informaram ao rei que, se fosse da sua vontade, a rainha da
Inglaterra disponibilizaria o mesmo mapa aos franceses para estes ali traçarem uma outra linha de cor diferente, que marque
distintamente o terreno que nós devemos conservar. Note-se aí, novamente,
desta feita inserida no contexto do jogo diplomático, a utilização de raias
coloridas para apontar os limites pretendidos por ambas as Coroas. Pouco depois
de terminadas as negociações entre ingleses e franceses, no início de 1713, chegou a vez dos últimos
iniciarem as suas negociações com os portugueses. A posição de Portugal sobre
as terras em disputa entre as duas coroas no norte do Brasil era de que a ele
pertencia por direito todas as terras do Cabo do Norte, situadas entre o
Amazonas e o rio de Vicente Pinzón, ou Oiapoque, e que a possessão dessas
terras dava-lhe o direito exclusivo à navegação do rio Amazonas. Aos franceses
caberia apenas o território ao norte do Oiapoque, ficando-lhes vedada a
navegação do Amazonas. Os franceses, por seu turno, arguiam a dificuldade de
identificar exactamente a localização exacta desses acidentes geográficos.
O exame dos mapas produzidos por D’Anville e alguns pertencentes à sua
colecção revelam que a questão era complexa e podia suscitar diversas
interpretações. Num primeiro manuscrito, de sua autoria, intitulado Carte
huilée des embouchures de la rivière des Amazones et côtes voisines, sem
datação segura, mas que tudo indica tratar-se de cópia de um mapa português,
pode-se ver claramente que o cartógrafo não utiliza como referencial para a
demarcação dos limites o Cabo do Norte, mais ao sul, mas, a baía de Vicente
Pinzón, mais ao norte; ambos são pontos geográficos distintos no mapa, o que
aumenta a possessão portuguesa na área, cuja posse se justifica pela existência
de um forte que tomamos dos holandeses,
conforme aparece gravado no mapa. Uma comparação dessa mesma carta com a Carte
particuliere du cours de la rivière des Amazones ou de Maragnon, de 1729, desenhada por D’Anville a partir
de esboço do padre jesuíta Ignácio Reys, revela as dificuldades em relação à
geografia local. Nela, o Cabo do Norte, a ilha de Carpori e a baía de Vicente
Pinson (sic) são posicionadas no
mesmo local. Observa-se que o cartógrafo representa os fortes portugueses da
região, ainda que alguns, por essa época, ainda permanecessem em ruínas, como
era o caso do Forte do Desterro ou do Exílio, demolidos pelos franceses no
contexto da Guerra da Sucessão Espanhola. Fica claro assim que ambos os
mapas apresentam os acidentes geográficos que norteariam a linha divisória de
formas distintas: na primeira, há uma separação entre, de um lado, a ilha e o
cabo, posicionados mais ao sul e, de outro, a baía situada mais ao norte; na
segunda, todos são coincidentes. Robert Dudley na sua Carte de l’embouchure
de l’Amazone, separa a baía do cabo, mas não representa essa ilha. Qualquer
dessas soluções teriam implicações evidentes no território pretendido pelos
portugueses. Ilustrativa é uma das versões impressas da Carte de l’Amérique
meridionále, de D’Anville, de 1748,
onde, sobre ela, gravou, em vermelho, três possíveis localizações da baía de
Vicente Pinzón, sendo que a adoção de qualquer uma delas teria impacto na
demarcação da fronteira entre as duas coroas. A primeira identifica a baía com
o cabo de Orange, onde se localiza a foz do rio Oiapoc; a segunda, com a ilha
de Muracá mais ao sul; e a terceira, com o Cabo do Norte um pouco mais ao sul
da anterior. A última opção, a menos desastrosa para os franceses, acabou sendo
a utilizada na versão impressa do mapa, sendo que, na versão manuscrita da
carta, D’Anville ensaiou os dois últimos posicionamentos da linha de limites». In
Júnia Ferreira Furtado, Guerra, Diplomacia e mapas, A guerra da Sucessão
Espanhola, O Tratado de Utrecht e a América Portuguesa na cartografia de
D’Anville, revista Topoi, v,. 12, nº 23, 2011.
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