«(…) A Europa apresentou
nos séculos XII e XIII, aquilo que os manuais didácticos comumente chamam de As
grandes mudanças. Estas mudanças atingiram todos os níveis da sociedade
medieval através do crescimento demográfico que segundo Le Goff, duplicou entre
o final do século X e o início do XIV. Outro factor que demonstra este progresso medieval foi à intensificação
da cunhagem de moedas durante o século XIII: E, por fim, o renascimento
monetário do século XIII deslumbrou os historiadores, principalmente, com o
regresso à cunhagem de moedas de ouro. Estas mudanças comportam ainda
outros elementos tais como o renascimento urbano, o desenvolvimento de técnicas
agrícolas e o consequente aumento da produção com a formação de excedentes
desta produção que voltou a estimular o comércio. É claro que estes eventos são
muito mais complexos que o simples esquema aqui apresentado, porém é possível
apresentar um panorama geral que nos instigue a buscar algumas motivações para
este contexto favorável. Neste sentido, os especialistas divergem nas suas posições.
Maurice Lombard busca a sua explicação no contacto entre o Ocidente e o mundo muçulmano,
que gerou a necessidade de produzir matérias-primas para atender cidades como
Córdova, Damasco e Bagdade. Para Lynn White, por outro lado, este
desenvolvimento se deve aos progressos técnicos desenvolvidos pelos próprios
europeus. Independente do motor deste processo económico, o ponto que nos
interessa neste trabalho, é o impacto que este fenómeno causou no seio da
cristandade e em seu corpo eclesiástico, que até meados do século XII, estava
representado pelas ordens monásticas, que experimentaram grande desenvolvimento,
em especial, a ordem de cluniasense.
As Ordens
Monásticas
A organização da ordem
de Cluny proporcionou uma rápida proliferação de abadias filhas da casa-mãe.
Desta ordem saíram papas conhecidos como Papas Reformadores pela historiografia
cristã, entre eles o próprio Gregório VII, que havia sido abade de Cluny. Segundo
Tathyana Zimmermann: Não tardou para que Cluny espalhasse abadias filhas
pelo restante da Europa, os mosteiros cluniacenses proliferaram. A sua
organização fez com que prosperassem. As abadias cluniacenses tornaram-se
grandes senhorios monásticos, seus camponeses cultivavam as terras, abriam
bosques e matagais, drenavam pântanos e produziam o vinho. Essas abadias eram
centros de povoamento, centros produtivos nos quais o excedente era comercializado.
Enriqueceram e tornaram-se poderosos. Este enriquecimento levou a uma
valorização da liturgia e ornamentação dos mosteiros e na práxis divergente do
discurso de grande parte dos monges que levavam vidas de opulência e
ociosidade, bastante distante dos princípios expostos pela Regra de São
Bento, regra-base para praticamente todas as ordens regulares. Citamos
Cluny por ser a abadia com maior e mais rápida ascensão no período, mas é
possível ainda citar outras que se enquadrem neste processo como Brogne
e Gorze.
Este elemento de ordem
económica é o primeiro a ser analisado ao buscar o cerne das heresias do século
XII, mas existe ainda outro ponto mais difícil de ser apreendido pelo seu carácter
estar incutido na consciência da
sociedade medieval. Brenda Bolton chama este fenómeno de Crise religiosa
do Século XII. O contexto de efervescência em vários aspectos pelos
quais passou a sociedade medieval em fins do século XI impactaram,
inevitavelmente, o corpo eclesiástico que precisou actualizar, mesmo que a
contragosto, seu discurso, na medida em que a própria concepção de ser
cristão modifica-se para um sentimento cada vez mais individual. Segundo
Bolton: Os cristãos se tornaram colectivamente cada vez mais conscientes do
mundo que os rodeava e procuravam racionalizá-lo. Também do ponto de vista
individual se verificava uma nova tomada de consciência do próprio homem,
relacionada com a condenação que Cristo fizera do pecado no coração e que
conduziu a um despertar da importância da consciência.
Esta mudança na consciência do homem medieval é analisada por Brenda
Bolton na sua Reforma da Idade Média, onde sugere seis reacções
desencadeadas por esta crise, dentre as quais, duas nos interessam mais de
perto pela relação com nossa temática: O monasticismo, ou vita angelica
e as heresias. A primeira delas, o monasticismo, foi uma reacção interna às
deformações dos princípios da Igreja Primitiva, retomados pela Regra de São
Bento durante as Reformas Gregorianas, que grosso modo, poderia ser resumido
como a vida em comunidade e a pobreza voluntária. Das vozes que se levantaram
para enfatizar esta postura em detrimento da ostentação e opulência que havia
se infiltrado por entre as abadias, está Bernardo de Claraval que deixou
diversos escritos conclamando seus congéneres a um retorno às origens do
Cristianismo. Bernardo foi o representante por excelência da Ordem de Cister e também
o abade de Claraval até sua morte em 1153.
O diferencial desta ordem estava na ideia que norteava os pensadores, que era a
de um retorno genuíno ao monacato beneditino. Cister tornara-se desta forma,
uma oposição dogmática a Cluny, resultando em discussões acaloradas entre os
líderes de ambas as Ordens». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de Montfort, A figura
do Vassalo Perfeito, História
Albigeoise, Pierre des Vaux de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes,
UF do Paraná, Curitiba, 2006.
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