domingo, 22 de junho de 2014

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… a intromissão régia aquando da eleição do novo Mestre em 1311: o rei intervém na escolha dizendo: porque a Ordem de Avis he cousa minha e dos reys que forom ante de mim e que depos mim am de viir pera mandarmos sobrelos beens della e sobrelas Comendas»

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A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). As origens da Ordem de Avis e a sua relação com a monarquia
«(…) Contudo, não chegaram até nos documentos que atestem uma grande protecção da Ordem por parte do nosso primeiro rei: apenas conhecemos actos comprovativos de doações de bens pouco mais que modestos (vinhas e casas em Santarém), se exceptuarmos, no rol de bens doados, o castelo, não o senhorio da vila, de Coruche. Assim sendo, ainda hoje não é possível descortinar com segurança quais os objectivos de Afonso Henriques ao criar a milícia de Évora. Tal como acontece relativamente ao reinado de Afonso Henriques, os diplomas de Sancho I são, além de muito poucos, omissos quanto aos motivos que levaram à criação da milícia dos Freires de Évora. Há, no entanto, um maior número de referências à protecção régia, dada a troco de serviço, certamente militar, por parte dos freires. Ao longo do reinado de Afonso II, a Ordem vai aumentando o seu património, embora geograficamente disperso, graças a algumas doações de particulares e a compras. A atitude do monarca em relação à milícia é sobretudo a de confirmação das doações que lhe haviam sido feitas anteriormente. Há, no entanto, uma doação régia importante: em 1211, Afonso II dá aos freires de Évora a zona de Avis, com a condição de aí construírem um castelo e de povoarem o lugar. Três anos mais tarde a milícia cumprira já o acordado, mas, ao contrário do que se poderia supor, não é ela quem tem a jurisdição de Avis: quem concede foral aos seus povoadores é o rei, e não a Ordem.
Poucos anos depois, em 1221, Afonso II concede ao mestre Fernando Eanes licença para a construção de um forte perto da fronteira com os mouros, o que nos aponta para o facto de os cavaleiros continuarem a cumprir as suas funções militares. Os primeiros documentos indicadores de uma certa tensão entre a Ordem e a monarquia datam do reinado de Afonso III: a posição aparentemente neutral assumida pelos Mestres de Avis na questão da jurisdição do Algarve, que os monarcas português e castelhano disputavam, não terá agradado a Afonso III, até porque se tratava de problemas que ultrapassavam o âmbito meramente local. Terá sido apenas pelo interesse que tinha em resolver a questão do Algarve que terá levado Afonso III a interessar-se pela Ordem de Avis, iniciando uma política de captação de favores, comprovada por uma série de documentos que, de uma forma ou outra, privilegiam a milícia. Quanto à Ordem, terminada a Reconquista em território nacional, vai manter a uma acção de povoamento de zonas situadas não longe da fronteira com Castela: o facto de em 1253 ser a Ordem quem concede à vila de Avis o seu terceiro foral (os dois anteriores eram régios), aponta exactamente no sentido dessa política de povoamento.
Durante o reinado de Dinis I,  participação activa da Ordem de Avis na defesa do reino passava sobretudo pela construção e conservação das praças que lhe estavam confiadas. Por isso mesmo, não é de estranhar que o rei procurasse de algum modo compensar a milícia das despesas que efectuava com essa manutenção: assim, em 1303, o rei faz uma doação à Ordem afirmando expressamente que o faz galardoando vos em algua cousa o serviço que mi fezestes e fazedes cada que a i faz mester ou aa mha terra e por o fazimento daquelas cousas que perdestes en meu serviço e en deffendimento da mha terra e a mantiimento dos logares que murastes e castelastes. Contudo, e dentro da sua linha de política de centralização o rei Dinis vai tomar algumas medidas, que denotam claramente a tentativa do monarca interferir na Ordem, controlando-a: é assim que o rei procura colocar, nos últimos vinte e cinco anos do seu reinado, homens da sua confiança à frente do Mestrado de Avis, Lourenço Afonso, Garcia Peres Casal, Gil Martins e Vasco Afonso. Paradigmática, a este respeito, é a intromissão régia aquando da eleição do novo Mestre em 1311: de facto, o rei intervém na escolha feita pelos freires justificando a sua atitude dizendo porque a Ordem de Avis he cousa minha e dos reys que forom ante de mim e que depos mim am de viir pera mandarmos sobrelos beens della e sobrelas Comendas ...
Se, por um lado, a política de fortalecimento do poder régio, mantida ao longo do século XIV, levou à intromissão dos monarcas nas jurisdições da Ordem de Avis (nomeadamente no que diz respeito a Afonso IV), por outro, o monarca procurar confirmar os direitos da milícia face a outros, nomeadamente, face ao poder concelhio. A tentativa de fidelizar as Ordens militares, e concretamente a de Avis, nem sempre terá resultado. Contudo, no século XV, o controlo da milícia por parte da monarquia, é uma realidade incontornável: ao outorgar aos cavaleiros de Avis privilégios e mercês, João I (anterior Mestre de Avis), procurou controlar o poder da milícia, garantindo a jurisdição desta sobre outros privilegiados e colocando-a deste modo sob a sua dependência, tarefa facilitada pela grande proximidade do Mestre Fernão Rodrigues Sequeira relativamente ao rei. Com a morte deste Mestre, em 1433, o governo da Ordem é entregue a Fernando, o Infante Santo: a ligação da casa real ao mestrado é o culminar de uma aproximação premeditada da monarquia à Ordem. O cativeiro do infante Fernando, depois do desastre de Tânger, acentuou a dependência de Avis face à coroa, uma vez que, embora o mestrado estivesse nominalmente ocupado, provocou uma efectiva vacatura do mesmo. Não mais o mestrado de Avis se afastará da família real.

A filiação de Avis em Calatrava
Fundada, como se disse, em 1175-1176, a milícia de Évora desde cedo surge associada à Ordem Militar de Calatrava, existente no reino vizinho, pelo menos desde 1158. As razões de tal filiação, e a data em que ela decorreu, são ainda hoje tema de grande discussão entre os historiadores. Estaria Afonso Henriques interessado em promover um grupo militar organizado, fiel ao seu serviço? Então como se compreende a filiação a uma milícia castelhana? E como explicar o auxílio prestado pela milícia ao rei castelhano na conquista da AndaluziaIn Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FL do Porto/JDACT