A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). As origens da Ordem de Avis e a sua relação
com a monarquia
«(…) Contudo, não
chegaram até nos documentos que atestem uma grande protecção da Ordem por parte
do nosso primeiro rei: apenas conhecemos actos comprovativos de doações de bens
pouco mais que modestos (vinhas e
casas em Santarém), se exceptuarmos, no rol de bens doados, o castelo, não o
senhorio da vila, de Coruche. Assim sendo, ainda hoje não é possível
descortinar com segurança quais os objectivos de Afonso Henriques ao criar a
milícia de Évora. Tal como acontece relativamente ao reinado de Afonso
Henriques, os diplomas de Sancho I são, além de muito poucos, omissos quanto
aos motivos que levaram à criação da milícia dos Freires de Évora. Há, no
entanto, um maior número de referências à protecção régia, dada a troco de serviço,
certamente militar, por parte dos freires. Ao longo do reinado de Afonso II, a
Ordem vai aumentando o seu património, embora geograficamente disperso, graças
a algumas doações de particulares e a compras. A atitude do monarca em relação
à milícia é sobretudo a de confirmação das doações que lhe haviam sido feitas
anteriormente. Há, no entanto, uma doação régia importante: em 1211, Afonso II dá aos
freires de Évora a zona de Avis, com a condição de aí construírem um castelo e de povoarem o lugar.
Três anos mais tarde a milícia cumprira já o acordado, mas, ao contrário do que
se poderia supor, não é ela quem tem a jurisdição de Avis: quem concede foral aos seus povoadores é o
rei, e não a Ordem.
Poucos anos depois, em 1221, Afonso II concede ao mestre
Fernando Eanes licença para a construção de um forte perto da fronteira com os mouros,
o que nos aponta para o facto de os cavaleiros continuarem a cumprir as suas
funções militares. Os primeiros documentos indicadores de uma certa tensão
entre a Ordem e a monarquia datam do reinado de Afonso III: a posição aparentemente
neutral assumida pelos Mestres de Avis na questão da jurisdição
do Algarve, que os monarcas português e castelhano disputavam, não terá
agradado a Afonso III, até porque se tratava de problemas que ultrapassavam o
âmbito meramente local. Terá sido apenas pelo interesse que tinha em resolver a
questão do Algarve que terá levado Afonso III a interessar-se pela Ordem de
Avis, iniciando uma política de captação de favores, comprovada por uma série
de documentos que, de uma forma ou outra, privilegiam a milícia. Quanto à
Ordem, terminada a Reconquista em território nacional, vai manter a uma acção de
povoamento de zonas situadas não longe da fronteira com Castela: o facto de em 1253 ser a Ordem quem concede
à vila de Avis o seu terceiro foral (os dois anteriores eram régios),
aponta exactamente no sentido dessa política de povoamento.
Durante o reinado de
Dinis I, participação activa da Ordem de Avis na defesa do reino
passava sobretudo pela construção e conservação das praças que lhe estavam
confiadas. Por isso mesmo, não é de estranhar que o rei procurasse de algum
modo compensar a milícia das despesas que efectuava com essa manutenção: assim,
em 1303, o rei faz uma doação à Ordem
afirmando expressamente que o faz galardoando
vos em algua cousa o serviço que mi fezestes e fazedes cada que a i faz mester
ou aa mha terra e por o fazimento daquelas cousas que perdestes en meu serviço e
en deffendimento da mha terra e a mantiimento dos logares que murastes e
castelastes. Contudo, e dentro da sua linha de política de centralização o
rei Dinis vai tomar algumas medidas, que denotam claramente a tentativa do monarca
interferir na Ordem, controlando-a: é assim que o rei procura colocar, nos
últimos vinte e cinco anos do seu reinado, homens da sua confiança à frente do Mestrado
de Avis, Lourenço Afonso, Garcia Peres Casal, Gil Martins e Vasco
Afonso. Paradigmática, a este respeito, é a intromissão régia aquando da
eleição do novo Mestre em 1311: de
facto, o rei intervém na escolha feita pelos freires justificando a sua atitude
dizendo porque a Ordem de Avis he cousa
minha e dos reys que forom ante de mim e que depos mim am de viir pera
mandarmos sobrelos beens della e sobrelas Comendas ...
Se, por um lado, a
política de fortalecimento do poder régio, mantida ao longo do século XIV,
levou à intromissão dos monarcas nas jurisdições da Ordem de Avis (nomeadamente
no que diz respeito a Afonso IV), por outro, o monarca procurar confirmar
os direitos da milícia face a outros, nomeadamente, face ao poder concelhio. A
tentativa de fidelizar as Ordens militares, e concretamente a de Avis, nem
sempre terá resultado. Contudo, no século XV, o controlo da milícia por parte
da monarquia, é uma realidade incontornável: ao outorgar aos cavaleiros de Avis
privilégios e mercês, João I (anterior Mestre de Avis), procurou
controlar o poder da milícia, garantindo a jurisdição desta sobre outros
privilegiados e colocando-a deste modo sob a sua dependência, tarefa facilitada pela grande proximidade do Mestre
Fernão Rodrigues Sequeira relativamente ao rei. Com a morte deste Mestre,
em 1433, o governo da Ordem é entregue
a Fernando, o Infante Santo: a ligação
da casa real ao mestrado é o culminar de uma aproximação premeditada da monarquia
à Ordem. O cativeiro do infante Fernando, depois do desastre de Tânger, acentuou a dependência de Avis face à coroa,
uma vez que, embora o mestrado estivesse nominalmente ocupado, provocou uma
efectiva vacatura do mesmo. Não mais o mestrado de Avis se afastará da
família real.
A filiação de Avis
em Calatrava
Fundada, como se disse,
em 1175-1176, a milícia de Évora
desde cedo surge associada à Ordem Militar de Calatrava, existente no
reino vizinho, pelo menos desde 1158.
As razões de tal filiação, e a data em que ela decorreu, são ainda hoje tema de
grande discussão entre os historiadores. Estaria
Afonso Henriques interessado em promover um grupo militar organizado, fiel ao
seu serviço? Então como se
compreende a filiação a uma milícia castelhana? E como explicar o auxílio prestado pela milícia ao rei castelhano na
conquista da Andaluzia?» In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Cortesia da FL do Porto/JDACT