Ana de Castro e o Salvamento da Clepsydra
«(…) Ele, o filho mais velho, conta como lhe recolheu, a poesia:
- Comoveu-o ver que um rapaz de dezassete anos lhe pedia para repetir os seus versos de modo a poder escrevê-los, e que, ao fim da noite, lhe mostrava dois ou três dos seus Poemas para ele emendar qualquer erro de interpretação. Prometeu, então, Camilo Pessanha escrever em cada noite dos nossos serões de família um ou dois dos seus Poemas, até juntar todas as suas obras poéticas.
Acrescenta João de Castro Osório que Camilo confiara a Ana o
encargo da publicação, em livro, dos Poemas que [...] recolhera e dos outros
que deveria enviar e se esperaram durante quatro anos, sempre em vão. Por isso,
Ana toma a iniciativa de publicar,
em 1920, nas Edições Lusitânia
(de que era a dona) esse livro esplêndido, único, dos mais dolorosos e
perfeitos da poesia portuguesa. A obra despertou logo interesse e algum
entusiasmo. Ana de Castro Osório
é entrevistada por Fernanda de Castro, em 21 de Abril de 1921: De há muito que conheço Camilo Pessanha. É um verdadeiro poeta e um
verdadeiro sonhador. Mas é também um tímido e um misantropo. A
entrevistadora lança a hipótese de Camilo Pessanha, animado pelo êxito
dos seus versos, voltar a publicar. A entrevistada, conhecendo-o como conhecia,
responde: Ah, isso sim! Camilo Pessanha
está em Macau e não dá novas de si. Creia, nele não existe, nem mesmo [em]
estado latente, o mais pequeno desejo de glória.
NOTA: Maria Fernanda [de Castro], Um Poeta Estranho: a
Idiossincrasia de Camilo Pessanha. A Sra. D. Ana de Castro Osório narra ao
Diário de Lisboa como conseguiu levar o poeta a publicar a Clepsydra (Diário de
Lisboa, 21 de Abril de 1921. Na
entrevista, Ana de Castro Osório rerá, nomeadamente, afirmado: sem dizer ao
poeta os meus planos, pedi-lhe que fosse ditando versos seus, pois queria
guardá-los num caderno. Camilo Pessanha ditou-me algumas belas poesias. E foi assim
que nasceu a sua Clepsydra. Permito-me duvidar da fidedignidade da transcrição
das palavras de Ana de Castro Osório pela ilustre entrevistadora, pois, como já
se referiu, Camilo não ditou os seus versos a Ana, quem os escreveu foi João
de Castro Osório: a ele coube esse importantíssimo papel, de acordo
com o plano de sua mãe.
De resto, Camilo não dava
novas de si, nem sequer depois de ter recebido a Clepsydra!
Só em 3 de Junho de 1921 é
que se dirige à bondosa amiga,
lamentando a sua anemia mental, e
agradecendo a publicação do livro:
- Mas não quero deixar de agradecer-lhe, penhoradíssimo, a publicação da esquecida Clepsydra, e os cuidados da disposição (que é como eu próprio a faria) e da ortografia. Igualmente me cativou a notícia da conferência feita pelo João, que tão meu amigo é e cujo fino e equilibrado talento eu tanto aprecio. Não haveria meio de eu a poder ler? Acredite que foi das mais doces comoções da minha vida e da minha surpresa, ao ver assim evocada e acarinhada diante dos meus próprios olhos a minha pobre alma, há tantos anos morta... Muitas e muitas saudades para todos; e, por tudo, lhe beijo reconhecido a mão. Camilo Pessanha.
NOTA: Sobre a conferência feita pelo João, encontra-se no espólio
de João de Castro Osório um documento: a
Direcção da Société Amicale Franco-Portugaise enviou convites para o Serão
Literário em que João de Castro fará a invocação da figura e da Arte do poeta Camilo Pessanha no salão nobre da
Société Amicale (Rua do Século, 50)
no próximo sábado 20 de Novembro de 1920. O convite foi também enviado pelo
correio ao próprio conferencista, então com vinte anos: foi esta a sua primeira
conferência e intervenção crítica sobre a Clepsydra.
A carta está à altura da generosidade de Ana». In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada
pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN
972-8753-43-8.
Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT