Actores
e Interesses
«(…)
A guerra, então assumida como um mal impossível de excluir, era cuidada na sua
análise, para que a violência e a destruição fossem moderadas. Por outro lado,
o impacto destas vozes de juristas era ainda maior nas casas reais, em função
do menor protagonismo do papa, devido à Reforma protestante. Após Vestefália,
surgiu a era dos reis absolutos. O rei Luís XIV ao assumir, em 1661, plenos poderes, como um autêntico
vice-rei de Deus, voltou ao tempo dos déspotas italianos do século XV.
Mas enquanto estes assentavam o poder nos seus mercenários, os reis
absolutos eram sustentados por exércitos profissionais permanentes.
Na
perspectiva de Rousseau, de
que cada
estado só pode ter como inimigos outros estados, e não pessoas, já que não pode
haver qualquer relacionamento genuíno, entre coisas de natureza diferente
e de que a violência se limita ao choque entre os exércitos, os actores
desta época circunscreviam-se fundamentalmente aos estados. Estando a origem da
guerra de Sucessão numa luta entre as coroas francesa e austríaca para assumirem
o trono espanhol na sequência de Carlos II, estes
dois países constituem os principais actores globais, aos quais se pode e deve
juntar, a Inglaterra, no âmbito mais geral da luta entre as potências
continental e marítima, que dominou as relações internacionais no século XVIII.
No
entanto, outros interesses existiam por parte da Holanda, Portugal, Dinamarca,
Suécia, Sabóia, Rússia, Polónia e de muitos principados alemães, grande parte
dos quais em apoio da Inglaterra e em oposição à hegemonia francesa. Para
alguns destes países, e em particular para Portugal e para a Holanda, os
verdadeiros interesses estavam presentes nas suas possessões espalhadas pelo
ultramar, que interessava salvaguardar Para outros, era o reajustamento de fronteiras
e a possibilidade de serem ocupados total ou parcialmente pela França.
Entre
todos os actores, o destaque vai naturalmente para a França, que apesar de
inferior em forças e recursos aos seus inimigos, pretendia tornar-se no árbitro
da Europa, alcançando o domínio do Reno, os Alpes, a tutela da Península Ibérica
e a influência sobre os mares próximos. Para alcançar os seus objectivos, a
França de Luís XIV precisava de ocupar as possessões da Espanha na Flandres, no
Luxemburgo e no Franco-Condado, de fortalecer a sua posição na Alsácia e de
submeter, ao seu domínio, os territórios do duque de Lorena. Teria ainda de, na
Europa Central, impedir a ascensão de qualquer potência liderante na zona. Na
Europa, o império dos Habsburgos incluía o Milanado, Nápoles, Sicília,
Sardenha, Baleares e Países Baixos espanhóis, além da própria Espanha; as
possessões não europeias incluíam Canárias, Filipinas, Cuba, México, Flórida,
Califórnia, Panamá, e à América do Sul, com excepção do Brasil e das Guianas.
Deste
modo, a estratégia francesa dos Bourbons passava por obter todos os apoios no
continente, no sentido de privar a Inglaterra de pontos de apoio e de relações comerciais
indispensáveis. O poder francês continuava a basear-se no forte exército, mas a
acção diplomática da França, com a concessão de subsídios a soberanos, com pressões
e ameaças de diversa ordem e com o fomento de rivalidades e confrontos entre
estados adversários, no sentido de os dividir, reforçava consideravelmente a
sua capacidade. Por outro lado, a Inglaterra não descurava os negócios
continentais, construindo para os seus desígnios alianças contra a potência
hegemónica continental, tendo por base a sua poderosa frota e a sua posição geopolítica.
Sendo a marinha o vector prioritário da sua política externa, a sua estratégia
de acção passava por utilizar correctamente os recursos financeiros, por um bom
sistema de informações, pela liberdade de acção conferida pela sua
insularidade, e prioritariamente, por uma acção premeditada de estratégia
indirecta, assente entre outras acções na posse de pontos estratégicos de domínio
dos mares.
A
Áustria, uma grande potência continental, tinha com a França uma rivalidade
tradicional. Apesar das suas constantes lutas, tinha revelado a qualidade dos
seus recursos militares na sua interminável guerra contra os Turcos, a qual
levaria Portugal, alguns anos mais tarde, à Batalha de Cabo Matapão,
e aspirava ao trono de Espanha, no sentido de alargar o espaço dos Habsburgos.
Com cerca de 100 mil homens em armas, o exército estava mal preparado e
equipado para uma guerra que travou especialmente em Itália e na frente alemã».
In
João Vieira Borges, Conquista de Madrid, 1706, Batalhas de Portugal, Tribuna da
História, Lisboa, 2003, ISBN 972-8799-08-X.
Cortesia
de Tribuna/JDACT