«(…) Deste modo, numa realidade sociocultural que começava cada vez
mais a assumir-se em torno das referências de um modelo revolucionário e de um modelo
conservador, vai instituir-se em Portugal a vigilância e censura do Estado
às ideias vindas da Revolução, processo que viria a revelar-se claramente com o
alinhamento da coroa, apesar de esta se manter formalmente neutral, com a corrente conservadora; …a indecisão
da nossa política tão ridicularizada pelos historiadores explica-se, (…) pela
existência de dois partidos em Portugal: um francês (revolucionário e liberal),
outro inglês (conservador e tradicionalista), cujas forças se equilibravam...
Neste contexto, não podemos deixar de registar mais uma vez as ambiguidades e
contradições culturais existentes na elite governativa, que tanto promovia a construção anacrónica da obra da
Estrela, como coetaneamente prosseguia a lenta reconstrução pombalina e Pina
Manique, antigo colaborador de Pombal e responsável directo pela repressão,
patrocinava a construção de uma efémera cidade
iluminista de desenho neoclássico, a actual Manique do Intendente.
No entanto, com a
evolução política causada pelo desfecho da Guerra do Russilhão e
posteriormente pela acção de invasão franco-espanhola de 1801, o aparente equilíbrio político existente em Portugal vai
tender a ser invertido, assumindo então o partido
francês um novo protagonismo, facto que é demonstrado pelo efectivo
bloqueio dos portos portugueses aos navios ingleses. De facto, esta conjuntura
pró-francesa, só viria a ser desfeita por ocasião de uma nova aliança com Inglaterra realizada em 1807, alinhamento que implicou um acordo de protecção com a Casa
Real de Bragança que, para além de outras condições, estabelecia a
possibilidade de transferência da coroa nacional para a colónia do Brasil,
facto que veio a confirmar-se em Novembro de 1807 pela acção invasora do exército
francês; Junot …a 17 de Novembro estava na fronteira, em Alcântara; a
24, em Abrantes; a 27, a Rainha, o Príncipe Regente, a Família Real, a Corte,
serviçais, cerca de 15000 pessoas e imenso recheio de paços, do que puderam
levar, em 8 naus, 4 fragatas, 3 brigues, numerosos navios mercantes, todos
comboiados por 4 naus inglesas…, embarcaram para o Brasil, partida efectiva em
29; a 30, Junot entrava em Lisboa...
As Invasões Francesas, concretizadas a partir de 30 de
Novembro de 1807 no território
português, realizadas por tropas franco-espanholas sobre o pretexto da defesa e protecção da ...maligna
influência inglesa..., vieram assim a restabelecer a influência francesa,
que apesar de já não possuir o ímpeto revolucionário inicial e de se encontrar
agora controlado pela organização do Império
Napoleónico, implicou ainda assim quer a promoção radical dos valores
promovidos pela política expansionista do Império, quer a subjugação evidente
de algumas das antigas elites nacionais. No entanto, esta subjugação que
efectivamente se viria cada vez mais a evidenciar-se, não se traduziu objectivamente
numa concreta imposição sob a ameaça da força, já que esta assentava em grande
medida sobre a consolidação de uma facção política e cultural nacional.
Concretamente, esta realidade manifesta-se no acordo tácito e na
aliança governativa que existiu inicialmente na primeira invasão francesa entre as forças políticas nacionais e as
entidades ocupantes, realidade que não deve ser estritamente percebida sobre
uma relação política, mas, subliminarmente, por uma vontade genuína de adesão a
um novo referencial socio-cultural, seja por parte das instituições, que vão começar
a reformar-se segundo a prática francesa,
seja por parte de algumas elites que aderiram de facto aos valores ideológicos
por ela representados. Estes valores, que se detectam significativamente nas
elites políticas e artísticas, vão assim defender e divulgar valores
revolucionários ligados ao modelo político francês de base
constitucional, modelo que assentava sobre a valorização da liberdade
individual e sobre a universalidade do direito público, reorganizado segundo
uma divisão tripartida (governativo, legislativo e jurídico), modelo que
posteriormente se irá consagrar com
as lutas liberais após 1820; neste
quadro de mudança, acentuam-se inevitavelmente profundas mudanças de gosto que tendem a reflectir as facções culturais em
confronto, processo que pode explicar, pelo menos em parte, as preferenciais
circunstanciais entre um neoclassicismo francês de estilo Império e um neopaladianismo inglês, com aplicações
evidentes quer sobre a perenidade da
Arte e a Arquitectura, quer sobre as cíclicas e efémeras modas culturais que rapidamente influenciam o mobiliário ou
o vestuário». In António Miguel Santos Leite, Do Iluminismo Pombalino à afirmação
Arquitectónica Romântica em Portugal, Artitextos, Lisboa, CEFA,Universidade
Técnica de Lisboa, 2009, ISBN 978-972-9346-12-5.
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