A Cidade Manuelina e Filipina
«(…) A pequena capela do
rei Manuel I foi ampliada para o efeito e chegou a ter três naves, oito altares
e uma profunda capela-mor, tudo enriquecido e decorado em talha que a
influência romana desde cerca de 1725
modificara. Esta igreja magnífica, chefiada em 1737 por um cardeal com sacro colégio, e o Paço da Ribeira
também ampliado, com uma nova ala paralela ao rio e uma famosa Torre do Relógio,
tudo em luxuosa decoração aqui laicamente francesa, por várias vezes teve
concorrência, no espírito do rei, de outros planos, de uma basílica talvez em
Buenos Aires, em 1715, ou, trinta
anos mais tarde, nas alturas da Cotovia, pensando então o arquitecto Ludovice
num edifício que pudesse rivalizar com S.
Pedro de Roma. Ludovice tinha construído para João V o grande complexo de igreja-convento-palácio
de Mafra, monumento maior que o reino,
com primeira pedra posta em 1717 e
obra adiantada cerca de 35, mas em 1719 o rei tinha feito vir um
arquitecto de Turim, Juvara, para estudar um outro complexo, não se sabe onde, magníficos
edifícios de palácio e igreja dignos da riqueza nacional, ou apenas real,
projectos esboçados mas abandonados, mais pela demora da sua execução que pelo
custo elevadíssimo, ao que se pretendeu.
Assim, durante o seu
reinado, até ao exacto meio do século, João V cristalizou os seus sonhos sumptuosos
no próprio palácio real, mas sem saber ao certo onde eles teriam local
apropriado, entre o Terreiro do Paço já tradicional e alturas ainda
rústicas da cidade, extra-muros. Aliás, para ocidente, ao alto de Alcântara,
ele fizera edificar outro conjunto de igreja-palácio e hospício para os Oratorianos,
as
Necessidades (arquitecto Caetano Tomás Sousa), elevado até 1750, e já antes (1725) comprara uma casa
de quinta em Belém, ali reedificando um palácio, com embelezamento dos jardins.
Já após a sua morte, o rei José I fará construir, ainda junto do Paço da Ribeira,
um teatro de ópera, traçado por um arquitecto bolonhês, da família Bibiena:
coroava-se assim a lenta evolução do gosto da corte agora adepta do bel-canto, com consequências na
arquitectura, que passou dos pateos
espanhóis às salas de ópera italianas, em estruturas diferenciadas que os
cuidados exteriores revelavam também. A sumptuosa Ópera do Tejo durou, porém, apenas meia dúzia de meses, em 1755, desaparecida, como foi, no
terramoto desse ano.
Entretanto, alguns
conventos (Arroios, Rilhafoles)
foram construídos em Lisboa, muito menos, no entanto, que em Seiscentos, e
também as igrejas foram pouco numerosas, desde o Menino Deus, começado em
1711 e sagrado em 37, em baixo das muralhas da Alcáçova,
até Santa Isabel, mais banal, que marcou, em 1741, uma única nova freguesia, adiante do Rato. Ao mesmo
tempo, porém, muitos templos receberam benefício de azulejos e talhas de altar,
ao novo gosto italianizante, e foi o caso da própria Sé, de S. Vicente, dos
Paulistas, de S. Domingos, até à aventura final de João V: a magnífica capela de S. João Baptista em S. Roque, encomendada a
Vanvitelli e instalada em 1751, já falecido o monarca. Sempre
um gosto de interiores, de que a cidade só gozava indirectamente, não deixava
de intervir na sua imagem mental, definindo assim a mais autêntica cidade
joanina. Esta não descuidava, porém, a edificação de palácios de
fidalgos da Corte, espalhados pela cidade ou seus arredores (Cunhas-Olhão no Combro, como os
Sousas-Palmela, Barbacenas no campo de Santa Clara, como os Almeidas-Avintes, num
palácio desejado pelo primeiro cardeal-patriarca de Lisboa para um seu
herdeiro, ao mesmo tempo que engrandecia o seu Paço de veraneio, da Mitra, ao Beato,
Unhões em Xabregas, um Pimenta no campo Grande, outros da Junqueira a Belém,
zona em favor desde os princípios do século), mas, embora mais cuidados que
os do século anterior, não impressionavam favoravelmente os estrangeiros. Um destes
viajantes comentara (em 1738) que o mal estava no
despropósito de as casas não seguirem os planos durante a construção, aceitando
ocasional conselho de curiosos, num jeito antigo que perdurava mesmo em tempos
de fausto aparente.
Traçadas pelo arquitecto
de Mafra, seu proprietário, ou por Mardel, arquitecto húngaro imigrado, duas casas
nobres marcam, todavia, especial relevo neste período: a casa Ludovice, em S. Pedro de Alcântara (1747) e já a de Lázaro Leitão, na Junqueira, 1734, edificações de uma burguesia de funcionários ou nobreza de
toga e clerical, com mais exemplos (Corte-Real, na Junqueira, Mitelo, a Santa
Clara). Pelo contrário, outro palácio nobre, de grande porte e novidade, dos Taroucas, vindo do fim de
Seiscentos (arquitecto João Antunes), eternizou-se em obras sem fim que dariam
novo nome ao sítio da Cotovia. Outras obras ainda marcaram cuidados de
João V pela cidade, e logo um enorme cais estudado desde os anos 30 e com uma
proposta colossal em 1742, implicando
aterro da zona ribeirinha, de modo a definir uma longa linha direita cujas superfícies conquistadas ao rio se encheriam
de edifícios, com uma rua direita e um passeio
público. Houve também então a remodelação monumental da Fábrica da Pólvora, o
alargamento da ponte de Alcântara, que uma estátua de S. João Nepomuceno passou
a ornar, em 1744, terceiro
monumento público, depois das populares estátuas seiscentistas de Apolo, no
Terreiro do Paço, e de Neptuno, no Rossio, com suas fontes». In
José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais,
Instituto Camões, 1980.
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