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A Cidade Manuelina e Filipina
«(…) Inaugurado só em 1629, e ainda longe de estar acabado, S. Vicente deve a sua traça a Terzi,
ao que se supõe, com possível ingerência de Herrera; Santa Engrácia, através de
campanhas sucessivas de obras, é a partir de 1682 que, com planos de João Antunes, definitivamente se
caracteriza, embora tivesse ficado inacabada até ao século XX. S. Vicente é uma obra maneirista
de grande importância, com influência serliana, e será modelo lisbonense pelos
séculos XVII e XVIII; Santa Engrácia
é uma obra de grande riqueza estrutural com a sua planta em cruz grega e a sensibilidade
borrominesca mais contemporânea que se
manifesta, de modo único, nas suas fachadas e na notável espacialidade interna.
Mas outras igrejas, recentes ou mais antigas, tiveram então novas decorações de
talha dourada que, cerca de 1675,
apresentaram uma nova estrutura, no estilo
nacional de notável retórica barroca. Ligada a um novo gosto de painéis de
azulejo historiados e emoldurados conforme modelos de gravuras em curso internacional,
a talha seiscentista marca em Lisboa uma nova imagem decorativa cuja riqueza
não tem paralelo na arquitectura laica. Trazidas pelos espanhóis, as
representações teatrais impuseram, também, nos Pátios das Arcas e das Fangas,
na Baixa,
uma arquitectura meio precária de sala de espectáculos que inovaram nos hábitos
da cidade a eles rapidamente rendidos, tal como se renderam a outro hábito,
sumptuário, de circular em coches, que passaram a perturbar o trânsito de ruas estreitas
não preparadas para tal moda, que, porém, se impôs, apesar de uma proibição
passageira em 1626 e de um
condicionamento em 72, dada a
importância do sinal social que acarretavam.
As ruas de Lisboa
mantinham a sua definição medieval, com uma ou outra inovação: a Rua
Nova do Almada, aberta em 1665
para dar passagem a poente ao já animado bairro de Santa Catarina (Chiado),
entre os conventos do Espírito Santo e da Boa Hora, o desdobramento, para
benefício do trânsito, da Rua Nova da Palma em 1673, o alargamento da importante rua
dos Ourives da Prata, em 1681,
que ficou com mais de nove metros de largura mesmo na parte mais estreita, o
alargamento de dez portas e postigos da cerca antiga e sempre respeitada. Se
em 1673 a rua Nova da Palma era
considerada uma das principais serventias
da cidade, dando sobre a porta do seu nome, em 1620 as portas de Santo Antão, de S. Vicente, da Cruz (no ângulo sueste da cerca) e da
Esperança (no ângulo oposto) eram
dadas como entradas principais, por onde passavam diariamente mantimentos e
comércio geral, ou seja, grosso
modo, 35 por cento vindo do Norte, 40 por cento de Leste e 25 por cento da
banda ocidental e ribeirinha.
Durante o século só duas
freguesias se formaram, por desdobramento de outras: as Mercês e S. Sebastião da Pedreira, esta especialmente
significativa por traduzir um povoamento mais cerrado para norte da cidade. Em 1650, João Nunes Tinoco tirou a
primeira planta geral da cidade cuja cópia chegou até nós. Limita-a ainda a
cerca fernandina, mas o extravasamento é visível a poente, com a quadrícula do
Bairro Alto, e a nascente, pela Mouraria e Santa Clara, e é um dédalo de ruas,
tecido vermicular onde só abrem clareiras o Terreiro do Paço e o
Rossio, ou as encostas inóspitas do Castelo e as terras dos frades de
S. Francisco da Cidade. Então, e dois anos depois, João IV, com engenheiros militares (sobretudo franceses), mandou rodear
Lisboa de uma nova cerca defensiva com 32 e depois só 16 baluartes: a sua linha
de cortinas, nunca terminada, ia de Santa Apolónia (onde restam os bastiões
desse nome e da Cruz da Pedra) até Alcântara (onde ficaram os do Sacramento e
do Livramento ou das Necessidades), e passava pelos Prazeres, Alto do Carvalhão,
Campolide, Estrela, Cotovia, S. José, Capuchos e Senhora do Monte, deixando ou
não vestígios, como aconteceu a ocidente, na Junqueira, com os baluartes de S.
Paulo e de S. João. As guerras da Restauração findaram, porém, e as obras
foram abandonadas e esquecidas na época mais amena que se seguiria.
A Cidade Joanina
O rei João V subiu ao
trono em 1706 e cedo se dedicou à
sua capital, contando com a miraculosa riqueza aurífera que desde o fim de
Seiscentos entrava no País, vinda do Brasil, e com a paz garantida em Utreque,
em 1713, que o libertava da política
austríaca e lhe abria o caminho da França que, com o de Roma, irão polarizar as
influências artísticas e culturais recebidas pelo seu reinado. Mas a capital de
João V era, antes de mais, o seu paço e, mais do que este, a capela real,
paroquial em 1709, colegial em 10, patriarcal em 16, sede de nova diocese da meia Lisboa ocidental». In
José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais,
Instituto Camões, 1980.
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