Copilacam de Todalas Obras de Gil Vicente
«(…) Donde se conclui que haverá, possivelmente, um só exemplar completo,
infelizmente no estrangeiro; todos os demais são deficientes, o que acentua a
raridade da obra. A que se deve esta
escassez de exemplares da Copilacam?
Pensamos que, primeiro, porque a tiragem não terá sido elevada; depois, porque
a publicação dos autos por miúdo desmotivava quanto à aquisição global da obra;
por outro lado, a censura que impendeu sobre as obras de Gil Vicente, com todos os
seus rigores, e que não aconselharia a posse de exemplares dessa edição; por último,
a existência, com poucos anos de diferença, em 1586, de nova edição, obedecendo às determinações e preceitos do rol dos livros defesos, ou do catálogo dos livros que se proíbem neste reino
ou do index auctorum damnatae memoriae,
levaria ao desprezo, abandono ou destruição dos exemplares de 1562. Note-se que, tanto quanto pudemos
comparar, parece não se registarem no texto destes exemplares diferenças como
aquelas que se verificam, por exemplo, nos da edição de 1595 das Rhythmas de Lvis de Camões, que
determinaram uma nova edição das Éclogas camonianas (Coimbra, 1973),
(…) que as tinha editado de acordo com o exemplar da Biblioteca Nacional de
Lisboa (actual BNP), veio a conhecer a nossa edição fac-similada, feita em 1968 com base no exemplar da livraria
do rei Manuel II, existente em Vila Viçosa.
São, portanto, os que mencionei os exemplares conhecidos da Copilacam
de Todalas Obras de Gil Vicente; de entre eles, um se encontra censurado, o exemplar da Livraria de
Mafra, o que lhe dá, carácter particular a merecer uma certa atenção.
A Copilacam de Todalas Obras, na edição de 1561-1562, surgiu p.m. vinte e cinco anos após a morte de Gil
Vicente. Foi iniciativa de seus filhos, Paula e Luís, correspondendo
a uma vontade de seu pai, ou antes, a uma ordem régia, expressa num Prologo em que o autor deregia esta copia de
suas obras ao muyto alto & excelso Principe elRey dom Ioam o terceyro deste
nome em Portugal, que nam ouue
effeyto, por morte de Gil Vicente, nestes termos: ... Determiaua leyxar minhas miserrimas obras
por empremir, porque os antigos & modernos nam leyxaram cousa boa por
dizer, nem inuençam linda por achar, nem graça por descobrir ... Finalmente que
por escusar estas batalhas & por outros respeytos, estaua sem proposito de
emprimir minhas obras se V. A. mo nam mandara, nam por serem dinas de tam
esclarecida lembrança, mas V. A. aueria respeyto a serem muytas dellas de
deuaçam, & a seruiço de Deos enderençadas, & nam quis que se perdessem,
como quer que cousa virtuosa por pequena que seja nam lhe fica por fazer; por
cujo seruiço trabalhey a copilaçam dellas com muyta pena de minha velhice & gloria de minha vontade, que foy
sempre mais desejosa de seruir a V. A. que cobiçosa de outro nenhum descanso.
O nível de intervenção de Paula e de Luís Vicente deduz-se de dois
documentos que precedem a Copilacam. O primeiro é o alvará de privilégio real: EU elRey faço saber aos que este aluara virem, que Paula vicente moça
da camara da minha muyto amada e prezada tia me disse que ella queria fazer
empremir hum liuro e cancioneyro de todas as obras de Gil vicente seu pay, assi
as que atee ora andarão empremidas polo meudo, como outras que o ainda nam
foram. Pedindome que ouuesse por bem que por tempo de dez annos nam podessem
empremir nem vender o dito cancioneyro senam ella, e as pessoas a que ella pera
isso desse licença: e que as ditas obras meudas do dito seu pay, que atee ora
andarão empremidas, se nam podessem mais empremir nem vender polo meudo. E
visto seu requerimento, e por alguns justos respeytos que me a isto mouem, ey
por bem e me praz que fazendo ella empremir o dito cancioneyro de todas as
obras do dito seu pay, Empressor algum, nem outra alguma pessoa, possa em meus
Reynos e senhorios empremir nem vender o dito cancioneyro ...» In Justino Mendes de Almeida, Estudos de
História da Cultura Portuguesa, Academia Portuguesa da História, Universidade
Autónoma de Lisboa, O Pernix Lysis, Lisboa, 1996.
Cortesia da Academia P. de História/JDACT