terça-feira, 15 de julho de 2014

Estudos de História da Cultura Portuguesa. Linguística e Paleo-Etnologia. Justino Mendes Almeida. «A este liuro ajuntey as mais obras que faltauam e de que pude ter noticia. E porque o prologo que a diante vay deregido a elRey vosso auo, que aja gloria, nam ouue effeyto. Esse, com o liuro todo offereço a V. A. ...»

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Copilacam de Todalas Obras de Gil Vicente
«(…) O segundo documento é o Prologo deregido ao muyto alto & poderoso Rey nosso Senhor dom Sebastiam o primeyro do nome, per Luis vicente, de que extraímos este passo significativo: ... por serem cousas algumas dellas feytas por seruiço de Deos, e todas em seruiço de vossos avoos, e de que elles muyto gostarão era razam que se empremissem. E porque sey que ja agora nessa tenrra ydade de V. A. gosta muyto dellas, e as lee e folga douuir representadas, tomey a minhas costas o trabalho de as apurar e fazer empremir sem outro interesse senam seruir V. A. com lhas deregir, e comprir com esta obrigaçam de filho. E porque sua tençam era que se empremissem suas obras, escreueo per sua mão e ajuntou em hum liuro muyto grande parte dellas, e ajuntara todas se a morte o nam consumira. A este liuro ajuntey as mais obras que faltauam e de que pude ter noticia. E porque o prologo que a diante vay deregido a elRey vosso auo, que aja gloria, nam ouue effeyto. Esse, com o liuro todo offereço a V. A. ...
Eis as circunstâncias em que foi impressa a Copilacam quando já corriam, impressos pelo miúdo, autos de Gil Vicente, de que chegaram até nós alguns exemplares, nas chamadas folhas volantes, em número reduzido (citam-se comummente 4). Mas a Copilacam, de 1561-1562, é o texto fundamental para o conhecimento da obra de Gil Vicente, já que a Copilacam, de 1586, embora importante, é um texto terrivelmente mutilado.
O exemplar da Copilacam da Livraria do Convento de Mafra, hoje à disposição dos estudiosos, é o único exemplar que vimos censurado. Mas censurado com que critério? O ano de 1536, a que se atribui a representação, em Évora, da comédia chamada Floresta de Engano, a derradeyra que fez Gil Vicente em seus dias, é também o da introdução da Inquisição (maldita) em Portugal. Em que medida vai o Tribunal exercer a sua intervenção na obra vicentina, que toda ela circulou? Se é sempre de lamentar a perda de uma obra, ou de parte dela, de um autor genial como Gil Vicente (e, neste caso, lamentamos que, até hoje, se não conheça exemplar desses três autos proibidos: Jubileu de Amores, Aderência do Paço e Vida do Paço), havemos de convir em que a sua obra, no conjunto, felizmente nos foi poupada. E até naqueles autos em que os índices eram peremptórios. Folheemo-los:
  • Este he o rol dos liuros defesos por o cardeal Iffante / Inquisidor geral nestes Reynos de Portugal. Anno de 1551: (Dos proíbidos em linguajem). O auto de dom Duardos que nom tiuer censura como foy emendado (incluído na Copílacam);
  • O auto de Lusitania com os diabos / sem elles poderse ha emprimir (saiu na Copilacam com as falas de Dinato e Berzabu);
  • O auto de Pedreanes / por causa das matinas (está na Copilacam, com as matinas);
  • O auto do Jubileu damores (não se conhecem exemplares);
  • O auto da aderencia do paço (não se conhecem exemplares);
  • O auto da vida do paço (não se conhecem exemplares);
  • O auto dos phisicos (vem na Copilacam).
Rol dos Líuros defesos nestes Reinos & Senhorios de Portugal que o Senhor cardeal Iffante Inquisidor geral mandou fazer. Lisboa, 1561. Gil Vicente suas obras correrão da maneira que neste anno de 1561, se Imprimen & nas Impressas ate este anno, guardarse a ho regimento do rol passado.
Catalogo dos Livros que se prohibem nestes Regnos & Senhorios de Portugal… (Lisboa, 1581). Das obras de Gil Vicente, que andão juntas em hum corpo, se ha de riscar o prologo, até que se proueja na emmenda dos seus autos, que tem necessidade de muita censura, & reformação.
E, quanto a censura a Gil Vicente no século XVI, é tudo. Neste caso, não se pode dizer que a Inquisição (maldita) tenha mutilado irremediavelmente a obra vicentina». In Justino Mendes de Almeida, Estudos de História da Cultura Portuguesa, Academia Portuguesa da História, Universidade Autónoma de Lisboa, O Pernix Lysis, Lisboa, 1996.

Cortesia da Academia P. de História/JDACT