«Em
primeiro lugar glorificava, nos seus cantos, de entre todos os deuses,
Mnemósina, mãe das musas». In Hino Homérico a Apolo
In Memorium Memoriae
«Da
nem sempre sublime variedade do Mundo,
da
não rara amargura,
do
remorso,
de
tudo,
dia
a dia te nutres, dia a dia te envolves!
Dia
a dias te expandes,
tão
grande que és o vulto
sobreposto
por vezes à linha do horizonte…
Dia
a dia no dia te enforcamos, e à noite
apareces
de novo no trópico do sono.
Dia
a dia, no vento. Dia a dia, no tronco.
Tens
na carne incorpórea, de memória, mil corpos,
e
concentras nos olhos, aglutinantes, glaucos
de
um verde que não é de esperança nem de escarro,
mas
de lago, de lodo, de limo delinquente,
a
saudade e o desprezo do mundo que te foge,
dia
a dia no mármore, dia a dia no vento.
Mármore,
sim, mas mole. E vento, porque não?
Mármore
capaz de tudo,
de
tudo recolher
e
transmudar em nada. De transmudar o ouro,
alquimia
ao contrário, na poeira que o vento
ao
próprio vento espalha…
Mármore,
sim, mas mole.
E mais
que mármore Mar, que dentro de nós more.
Luta
de corpo-a-corpo
no
interior do corpo.
Monólogo
do Tempo
no
interior da alma.
Monólogo
monólogo
com
saltos inesperados! Monólogo no mármore
mais
mole de que há memória…
Mármore,
e Mar, e vento sobre o Mar…
Memória!»
[…]
Poema
de David Mourão-Ferreira
In
David Mourão-Ferreira, In Memorium Memoriae, Poema, ilustrações de Alice Jorge,
Minotauro, 1962.
Cortesia
de Minotauro/JDACT