quinta-feira, 31 de julho de 2014

Poesia no 31.António Cândido Franco. «Mar com o calor do inferno debaixo do meu peito fervendo. Noite interior com um coração a fazer de sol. O meu peito é a linha da terra. Por baixo dele invisível e quieto»

Cortesia de wikipedia e jdact

Estâncias
«O meu peito é a linha do horizonte.
Por cima dele está o céu
e por baixo o inferno.
Este é uma lareira líquida.
Sinto nas costas o fogo.
Tenho a flor dos rins chamuscada.
Contorcem-se chamas
por baixo da minha pele.
Volteiam labaredas
dentro de mim.
Na minha vida encosto
o ouvido ao peito
como se à terra o encostasse.
Crepitam trevas
do outro lado do mundo.
Ouve-se a pulsação do fogo
contra a pele.
Da terra nada diferencia o corpo.
Por baixo do peito
há braseiros líquidos
que fervem em línguas vorazes de lume.
Águas queimando mais do que o fogo.
Mar
com o calor do inferno
debaixo do meu peito fervendo.
Noite interior
com um coração a fazer de sol.

O meu peito é a linha da terra.
Por baixo dele
invisível e quieto
está o caos da noite.
Há neste abismo um céu.
O seu nome é esquecimento.
Por baixo da terra
há um tumulto secreto de fogo
núcleos ctónicos
a devorar gases em brasa.
Caos e fumos.
Lareiras de lava
consumindo o nada.
Tudo tapado pelas pedras.
O meu peito é a linha dessa fronteira.
Por baixo está o inferno
as suas línguas de lume revolvendo
e por cima o céu.
Do meu corpo crescem pontes.
Evaporam-se órgãos.
Sublimam-se ossos.
Poalha de estrelas.
Está tudo enxuto.
Nuvens acumulando-se aos novelos.
O mundo enxugando
a sua matéria sólida.
Névoas de matéria
bailando no firmamento.
Sons
ondulando em palavras.
É esse o chão
onde germinam as estrelas».

JDACT