terça-feira, 12 de agosto de 2014

Da Vinci. Maquiavel. Bórgia. O Mundo que eles Criaram. Paul Strathern. «… a leste, toda a cristandade estava sob ameaça do Império Otomano em expansão, cujos exércitos levavam tudo à sua frente em direcção a norte, através dos Balcãs, avançando pela costa leste do Adriático»

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Uma Constelação Única
«(…) A situação política em Itália nos finais do século XV era propícia a uma abordagem tão cínica. A península estava numa desordem, dominada pelas cidades-estados de Milão, Veneza, Nápoles e Florença, assim como pela sempre oscilante influência do papa em Roma. Cada um destes poderes procurava constantemente alargar o seu território ou defender-se de vizinhos pérfidos, fosse por meio da intriga, de alianças frágeis ou até da traição pura e simples.
Florença, por exemplo, mantinha uma aliança pouco firme com Milão, receosa da sua antiga aliada Veneza e desconfiada do papado em Roma. Entretanto, o papa Alexandre VI alimentava planos para alargar o poder territorial de Roma através da reconquista da Romagna, que antes pertencera aos domínios papais, gesto que seria inevitavelmente encarado como uma ameaça clara por parte de Veneza e de Florença, cujos territórios faziam fronteira com a Romagna.
Esta fragmentação deixava a Itália no seu todo numa situação fraca e vulnerável. A pouca distância, do outro lado dos Alpes, ficava a França, o país mais poderoso da Europa. A Espanha, estimulada pelo fluxo de riquezas vindas do Novo Mundo, em breve procuraria alargar a sua tradicional influência em Nápoles. Enquanto isso, a leste, toda a cristandade estava sob ameaça do Império Otomano em expansão, cujos exércitos levavam tudo à sua frente em direcção a norte, através dos Balcãs, avançando pela costa leste do Adriático.
Tal era o pano de fundo dos primeiros anos de Leonardo, Maquiavel e Bórgia. A situação precária logo se desintegraria numa série de acontecimentos desastrosos, que afectariam cada um destes três protagonistas de maneira diferente. À medida que acompanhamos as suas vidas antes de eles se conhecerem, vemos a mesma sucessão de acontecimentos encarados sob três perspectivas diferentes, de cada uma das vezes permitindo-nos aprofundar as complexidades e implicações deste período crucial da história de Itália. Seriam os acontecimentos destes anos que acabariam por juntar Leonardo, Maquiavel e Bórgia no seu fatídico encontro na Romagna.
O que aconteceu precisamente durante esses meses pode ser deduzido a partir de várias fontes em primeira mão. Sobretudo temos os despachos diplomáticos de Maquiavel, com frequência diários, para os seus amos em Florença. Temos também várias descrições e observações cifradas dos cadernos de apontamentos codificados de Leonardo. A partir destas duas fontes, é possível montar um quadro vigoroso, ainda que incompleto, da vida quotidiana dos seus autores. No entanto, são precisamente estes hiatos que se tornam com frequência bastante reveladores. Tanto Leonardo como Maquiavel tinham boas razões para serem cautelosos com o que escreviam: uma proximidade tão grande de Bórgia colocava-os na verdade em perigo de vida. As nossas fontes para Bórgia durante aqueles breves meses são de modo semelhante ambíguas. Podemos, na maior parte, deduzir o conteúdo dos seus despachos secretos para Roma pelo efeito que estes tiveram no seu inconstante e expansivo pai, Alexandre VI. As reacções do papa eram relatadas com pormenores vívidos pelos vários confidentes que ele tinha entre os embaixadores na corte papal». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT