A sublevação dos flamengos
«(…) Para fazer frente aos seus inimigos, o duque comandava um numeroso
exército enquadrado pelos seus melhores cavaleiros e apoiado por imponente
artilharia. Na viagem, a duquesa seguiu-o em liteira até Chãtillon sur Seine,
onde o duque entrou em campanha, enquanto Isabel recolhia ao castelo de Dijon.
Ela ficara encarregada de convocar os Estados de Borgonha, chamados a votar o
financiamento das despesas com as operações militares. Os usos constitucionais
do ducado levavam Filipe a reunir frequentemente os deputados dos seus Estados,
segundo as necessidades de repartição dos encargos. Na rectaguarda, a duquesa
tomava à sua conta a organização material e financeira da defesa da região. O duque
visitava-a de tempos a tempos. Os vassalos do rei de França, sobretudo o conde
de Clermont, Charles, um Bourbon, atacavam as praças-fortes borgonhesas, pelo que
muitas delas caíram sob o controlo dos Armagnacs. De boas relações com o rei de
Inglaterra e respeitando a aliança estabelecida pelo Tratado de Troyes de Maio
de 1420, o duque pô-lo ao corrente das
operações, preparando futuras negociações sobre a presença dos ingleses em
Calais. Instalou-se em seguida diante de Avalon, que retomou às tropas reais
a21 de Outubro. E enquanto os oficiais prosseguiam as operações no terreno,
Filipe, o Bom, regressava a Dijon para
reconfortar a duquesa que trazia no ventre a sua maior esperança.
O nascimento do herdeiro Carlos
Uma das expectativas do casamento com a infanta portuguesa era para
Filipe o nascimento de um herdeiro legal que assegurasse a continuidade do
ducado. O duque estava avançado em idade e não tivera herdeiros dos casamentos
precedentes. Ele tinha toda uma descendência do seu sangue, que se empenhava ao
serviço da sua causa, mas fora do casamento. Isabel cumprirá prontamente esta
função maior dando à luz António, em 30 de Dezembro de 1430, em Bruxelas. Mas a criança morrerá 13 meses mais tarde,
estando Isabel já, grávida de Josse, que nascerá em Gand a 24 de Abril mas que
não resistirá à doença melhor do que o irmão; virá a falecer com a idade de
quatro meses. Imagine-se o desgosto sentido pelos duques, impotentes face ao
destino que lhes recusa uma progenitura indispensável à perenidade do ducado.
Devido a essa função de representação, compreende-se que os cronistas
descrevam acima de tudo o sofrimento do duque, que caiu em estado depressivo e
cujo desespero, devido à perda dos seus filhos e herdeiros potenciais, o levam
a insurgir-se contra Deus e a desejar a morte. Para grande satisfação de todos,
a 11 de Novembro de 1433,no castelo
da dinastia, nasce um robusto rapaz, imediatamente baptizado na capela. Houve
um debate sobre a hora do nascimento durante a noite de 10 para 11. Os
historiadores parecem estar hoje de acordo de que terá sido a primeira ou a
segunda hora depois da meia-noite de 11. Chamar-se-á Carlos, em homenagem ao
padrinho Charles de Nevers, e Martin, como a festa correspondente. Recebeu o
título de conde de Charolais, como seu pai.
Ainda que Dijon não fosse o lugar da residência oficial dos
duques, ficaria para sempre no coração do ducado tanto mais que no século XV
não era senão uma pequena cidade de uma dezena de milhar de habitantes, de
aspecto rural, cercada por vinhas, pomares e terrenos baldios. A residência dos
duques, hoje desaparecida, estava situada
no mesmo local onde se erguem os actuais castelo e Câmara Municipal. A
sede da ordem do Tosão de Ouro, criada quando do casamento, fora instalada na
Sainte Chapelle. Em Novembro de 1433
realizou-se um outro capítulo da ordem, durante o qual foram promovidos oito cavaleiros,
entre os quais o pequeno Carlos que, nos braços da mãe, recebeu o colar de ouro. O duque visava
estabelecer-se em Dijon e tinha iniciado a construção de um novo castelo a
partir de 1440.
A duquesa parecia não recear quer o ambiente
militar, quer os combates. Ela encarregava-se de comandar a artilharia e de a
fazer deslocar para a frente de combate. Apoiada pelo chanceler Rolin, reuniu
os estados em Dijon e depois em Dole, fazendo votar uma ajuda de várias dezenas
de milhar de francos destinada às operações. No início de Abril de 1434, Filipe voltou a partir para os
Países Baixos, sem que a paz tivesse sido restabelecida. Assumindo as tarefas
da defesa, Isabel deslocou-se a Chalon e a Talant para mobilizar os castelãos
do bailiado, os nobres e mesmo os estabelecimentos religiosos, ordenando-lhes
que fizessem chegar a Dijon meios de transporte de material militar, carros, charretes,
enxergões e cavalos. Depois de esgotadas as ajudas dos estados, a duquesa
viu-se forçada a contrair um empréstimo de 59 marcos de ouro em Genebra para
aliviar o cerco de Grancey, garantido pelo valor das suas jóias, baixela de
ouro e dinheiro». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne,
Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de
Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial
Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.
Cortesia de Presença/JDACT