«Pára,
sangue, de correr,
de
ressaltar aos borbotões,
de
me inundar como torrente,
de
me brotar sobre o flanco.
Como
contra uma parede,
imóvel
como uma sebe,
lírio
marinho direito
como
espadana na espuma,
como
pedra no talude
e
o recife na corrente.
Sangue,
sangue, se o desejo
te
faz correr com tal força,
circula
dentro da carne,
abraça-te
aos ossos vivos.
Belo,
belo que é correr
na
obscura pele compacta,
sussurrando
nas artérias,
murmurando
contra os ossos.
Pára,
sangue, de correr
sobre
a fria terra morta.
Não
corras, leite, no chão,
sangue
inocente no vale,
beleza
humana entre a erva,
oiro
de heróis na colina.
Desce
fundo ao coração,
bate
surdo nos pulmões,
desce,
desce fundamente
aos
órgãos vivos do corpo.
Não
és rio que se escoe,
nem
calmo lago parado,
nem
fonte que brote assim,
nem
barca velha com rombos»
«Quando
eu a cinjo e ela me abre os braços,
sou
como um homem que regressa da Arábia,
impregnado
de perfumes.
Desço
o rio numa barca,
ao
ritmo dos remadores.
Com
um feixe de canas ao ombro,
vou
para Mênfis,
e
direi a Ptah, senhor da verdade:
Dá-me esta noite a minha amada.
Este
deus é como um rio de vinho,
com
seus maciços de canas.
E
a deusa Sekhmet é como se fosse a sua moita de
flores.
E
a deusa Earit, seu lótus em botão.
E
o seu lótus aberto, o deus Nefertum.
E
a minha amada será feliz.
Levanta-se
a aurora através da sua beleza.
Mênfis
é um cesto de tomates
posto
frente ao deus de rosto puro.
Bom
é mergulhar, bom,
ó
deus meu amigo,
é
banhar-me diante de ti.
Adivinhas-me
quando se molha
minha
túnica de fino linho real.
E
juntos entramos nas águas,
e
à tua frente eu saio das águas,
agarrando
entre os dedos
um
estupendo peixe encarnado.
Olha
para mim.
Tanto
se alvoroça meu coração, de puro amor,
que
metade da minha cabeleira se desfaz,
quando
corro ao teu encontro.
Para
que me vejas sempre igual e bela
diante
de ti,
eu
componho os meus cabelos».
Poemas de Herberto Helder, in ‘Bebedor Nocturno’
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