«Eu
que só gosto de vestidos velhos,
de
velhas casas com paredes tortas,
de
poeiras ancestrais, de cinzas mortas,
de
desbotados rosas e vermelhos…
Eu
que só gosto de velhos quintais
com
ásperas roseiras mal regadas;
de
cortinas de rendas passajadas
por
velhos dedos, com velhos dedais…
eu
que só gosto de velhas gavetas,
de
velhas malas com cetins puídos,
sedas,
fitas, perfumes esquecidos,
leques,
missais, raminhos de violetas…
[…]
«Eu
sei onde nasci; naquela rua
de
árvores mortas e de velhas casas
onde
ensaiei os meus primeiros passos,
e
onde as minhas pueris, tímidas asas,
se
transformara simplesmente em braços.
Mas
que importa? Sinto-me perdida
como
alguém que em menino se perdeu
e
sei que a minha vida é outra vida,
e
sei que não sou eu, que não sou eu!
Que
venho de mais longe… da distância
que
medeia entre o sonho e a realidade,
que
nunca teve pátria a minha infância,
que
nunca teve idade a minha idade.
Que
o meu país, se existe, é como a quilha
de
um barco a demandar inutilmente
uma
impossível, ignorada ilha
banhada
por um mar inexistente.
E contudo
eu nasci naquela rua
de
árvores mortas e de velhas casas
onde
ensaiei os meus primeiros passos,
e
onde as minhas pueris, tímidas asas,
se
transformaram simplesmente em braços».
Poemas de Fernanda de Castro, in ‘Exílio’
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