A fina-flor do reino de Dinis I
«(…) Destes sete filhos, havidos fora do casamento, três merecem
particular destaque, já pelos lugares que ocuparam na corte de seu pai, já pelo
papel que desempenharam nos violentos conflitos que marcaram o termo do seu
reinado. São eles: Pedro Afonso, Afonso Sanches e João Afonso,
que se envolveram todos na guerra feita ao rei Dinis I por seu filho legítimo,
o infante Afonso. Essa guerra, assegura o conde de Barcelos, travou-se
porque o herdeiro do trono, instigado por Gomes Lourenço de Beja, um vilão
advogado que era filho de um carpinteiro, estava convencido de que o pai queria
que lhe sucedesse e reinasse Afonso Sanches,
seu filho de barregã. Mas os melhores historiadores sustentam hoje que à guerra
do infante se acrescentou uma outra, a que a grande nobreza senhorial fez ao rei
Trovador, cujo poder considerava excessivo e, em todo o caso, ofensivo dos seus
antigos direitos, honras e privilégios.
É evidentemente difícil saber se foram os senhores a aproveitar-se da
guerra do infante, se foi o infante a aproveitar-se da guerra dos senhores.
Juntou-se em todo o caso a fome com a
vontade de comer e, de 1319 a 1325, Portugal esteve a ferro
e fogo, dilacerado por uma guerra civil que foi também, se não foi sobretudo,
uma guerra entre irmãos. O primeiro sinal deste conflito fratricida
surgiu após a morte de João Afonso Meneses, 1º conde de Barcelos.
Trineto do rei Sancho e da formosa Ribeirinha,
tinha duas filhas, que se desentenderam sobre a herança. Uma, D. Teresa
Martins Telo, era mulher de Afonso Sanches, com quem casara em
Outubro de 1307; a outra, D. Violante
Sanches, estava casada com Martim Gil Sousa, que fora mordomo do infante
Afonso e era alferes-mor do reino. As duas herdeiras recorreram à justiça
régia. E a 3 de Janeiro de 1312,
sete ou oito anos após a morte do conde, o rei Dinis decidiu a causa: Martim
Gil herdou o título de conde de Barcelos, mas Afonso Sanches ficou com a maior
parte da fortuna, isto é, o senhorio e o castelo de Albuquerque (Alburquerque?).
Ofendido com a decisão do monarca, Martim Gil exilou-se em Castela,
onde morreu pouco depois. E, na sentença do rei, os grandes senhores viram, e
terão feito o infante ver, uma demonstração do favorecimento de Afonso
Sanches e uma prova da desordem reinante no regimento e na justiça do reino. A partir
daí, as relações entre Dinis I e o seu herdeiro não mais deixaram de se agravar
e, por 1316, estalou entre os dois
uma guerra aberta, fomentada por alguns
nobres despeitados e saudosos de antigos privilégios feudais, que o rei Dinis
havia cerceado, mas também uma guerra querida por Castela e Aragão, reinos
interessados em enfraquecer Portugal no contexto da Península.
Os bastardos do Trovador
dividiram-se pelos dois lados da barricada. Dinis I teve a seu lado aquele que
lhe era mais querido, Afonso Sanches, bem como João Afonso e Fernão
Sanches, contando, além disso, com os
oficiais da corte, alguns nobres de segunda, o bispo de Évora, o deão do Porto
e, importantíssimos aliados, os mestres das ordens Militares. O infante
Afonso, por seu turno, além do apoio da Rainha
Santa, sua mãe, contava com um
punhado de grandes senhores e filhos segundos, a que se juntaram os bispos de
Lisboa e Porto. Contava ainda com Pedro Afonso, futuro conde de Barcelos,
seu meio-irmão, que, sendo mordomo da infanta D. Beatriz, mulher de Afonso, se
considerava vassalo do herdeiro do trono e lhe reconhecia senhorio. Pedro Afonso foi o primeiro de todos os filhos, legítimos
e ilegítimos, do rei Dinis I, posto não se saiba exactamente quando nasceu. A
maioria dos historiadores inclina-se para situar esse nascimento cerca de 1285, ou seja, três anos depois do
casamento do monarca com a princesa de Aragão e cinco anos antes do nascimento
da infanta D. Constança, primeiro fruto daquele matrimónio». In
Isabel Lencastre, Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal,
Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de Oficina do Livro/JDACT