quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Líricas Portuguesas. 1ª Série. José Régio. «Vy oj’eu donas muy bem parecer e de muy bom prez e de muy bom sen e muyt’amigas son de todo ben, mays d’üa moça vos quero dizer: de parecer venceu quantas achou hüa moça que x’agora chegou»

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Os Poetas dos Cancioneiros. Séculos XII a XVI
Rei Sancho I
«El-Rei Sancho I nasceu em 1159 e morreu em 1211. É, portanto, um dos nossos mais antigos trovadores, a ser seu, como parece averiguado, o Cantar de amigo. Tal é a opinião de Carolina Michaëlis, que o supõe composto pelo rei para a sua célebre amante Maria Pais Ribeiro.

Cantar de Amigo
«Ai eu coitada!
Como vivo en gram cuidado
por meu amigo
que ei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!

Ai eu coitada!
Como vivo en gram desejo
por meu amigo
que tarda e non vejo!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!»

João Garcia de Guilhade
Foi um simples cavaleiro-vilão na opinião de Rodrigues Lapa, e cavaleiro de pequena nobreza na de Carolina Michaëlis. Não há datas precisas sobre a sua biografia. Parece ter levado a vida de soldado, e ser português, chamando-se Guilhade não de qualquer localidade galega, mas dum dos lugares portugueses com o mesmo nome. Terçou armas, poeticamente, com o fidalgo João Soares Coelho, num litígio célebre. O fidalgo o amesquinhou por vilão, sem contudo, o vencer como trovador. É um dos nossos mais fecundos e originais poetas do século XIII, distinguindo-se, quer nas cantigas de amor, quer nas de amigo, quer nas de escárnio ou maldizer pela sua agilidade técnica e a vivacidade do seu espírito.

Cantiga de Amigo
«Quer’eu, amigas, o mundo loar
por quanto bem mi nostro Senhor fez:
fez-me fremosa e de mui bom prez,
ar faz-mi meu amigo muit’amar:
aqueste mundo x’est a malhor ren
das que Deus fez a quen el i faz bem.

O paraíso bõo x’é’de pran,
ca o fez Deus, e non digu’eu de non,
mai-los amigos, que no mundo son,
e amigas muit’ambos lezer na:
aqueste mundo x’est a melhor ren
das que Deus fez a quen el i faz bem.

Querria-m’eu o parais’aver,
des que morresse, ben come quen quer,
mais, poi-la dona seu amig’oer
com el pode no mundo viver,
aqueste mundo x’est a melhor ren
das que Deus fez a quen el i faz bem.
E quem aquesto non tever por ben
já nunca lhi Deus dê en ele ren».

Cantiga de Amor
«Vy oj’eu donas muy bem parecer
e de muy bom prez e de muy bom sen
e muyt’amigas son de todo ben,
mays d’üa moça vos quero dizer:
de parecer venceu quantas achou
hüa moça que x’agora chegou.

Cuydava-m’eu que non avyam par
de parecer as donas que eu vi,
attan ben me parecian ali,
mays, poi’la moça filhou seu loguar,
de parecer venceu quantas acou
hüa moça que x’ agora chegou.

Que feramente as todas venceu
a mocelinha en pouca sazon!
De parecer todas vençudas son!
Mays, poy’la moça hi pareceu,
de parecer venceu quantas achou
hüa moça que x’agora chegou».

In José Régio, Líricas Portuguesas, 1ª Série, Selecção, Prefácio, Notas, Portugália Editora, Lisboa, 1959.

Cortesia Portugália/JDACT