Portugal,
1960. Instantâneos
«Mais de 82% dos partos ocorrem em casa,
morrem 7,7 crianças por cada 100 nascimentos; 8,9 milhões de residentes, 92%
com menos de 65 anos; esperança de vida, homens 60,7 anos, mulheres 66,4 anos;
mais de 65% das pessoas com 15 ou mais anos nunca foram à escola, população com
instrução equivalente ao ensino superior 1%; apenas 9,3% dos casamentos não são
católicos, 1 em cada 100 acaba em divórcio; 80médicos e 108 enfermeiros por 100
mil habitantes; existem 203 diários e semanários, num total de 468 publicações
periódicas».
A Idade
do Ouro
«Idade do Ouro não será a
primeira ideia que a maioria das pessoas associa aos anos 60 em Lisboa, ou em
Portugal. Mas, na história da economia portuguesa, a década de 60 é um marco
incontornável: regista-se o maior crescimento económico de sempre e lançam-se sementes
para transformações posteriores. O impacto relativo é maior no interior isolado
e rural, mas para Lisboa a expansão traz novidades, da modernização da cidade
(com a ponte sobre o Tejo e novas urbanizações, como os Olivais), ao
aumento das possibilidades de consumo (embora ainda muito longe do que se
tornará realidade 50 anos depois). Dos acontecimentos que marcam a década
de 60, e que explicam que a economia tenha praticamente triplicado entre 1958 e o início dos anos 70, a
entrada na EFTA a 4 de Janeiro de 1960
lidera. Criada para rivalizar com a Comunidade Económica Europeia (CEE), a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) começa
com sete países. Seis são desenvolvidos: Noruega, Dinamarca, Áustria, Reino
Unido, Suíça e Suécia. O sétimo é pobre e rural: Portugal.
A
excepção portuguesa, que não pode entrar na CEE por não ter um regime
democrático e ser demasiado pobre para ser integrada com as restantes
economias, consegue um acordo especial, que preserva barreiras alfandegárias de
defesa da indústria nascente, ao mesmo tempo que abre as portas a mercados de
exportação mais ricos e exigentes. A emigração, para fugir à pobreza rural ou à
Guerra Colonial, que se acentua também nos anos 60, é outra força importante. O
milhão de portugueses que em dez anos saem do país consegue uma taxa de
poupança altíssima, em alguns casos documentados em França ronda 50% do
rendimento, que envia como remessas para Portugal. Os bancos expandem-se
para o interior, com balcões e agentes, para captar esse dinheiro que acaba por
formar uma importante base de capital. Um empréstimo para um projecto
empresarial a 35 anos a uma taxa de apenas 3% é uma realidade possível na década
de 60.
Dinheiro
barato e abertura económica ao exterior levam ao nascimento de novas indústrias,
como a fábrica da Toddy em 1960, em
Belas ou, noutra escala, a Siderurgia Nacional, em 1961, no Seixal. As mudanças desenvolvem também velhos gigantes,
como a CUF. A Companhia União Fabril já empregava 16 mil pessoas nos anos 30,
mas chega ao final da década de 60 como o maior conglomerado industrial
português (químico, têxteis, indústria naval e alimentar, tabacos, entre
outros), sediado na margem sul do Tejo, a poucos minutos de Lisboa (Barreiro).
Observado no papel, o desenvolvimento significa crescimentos anuais da economia
acima de7%, um ritmo muito distante da média próxima de zero que Portugal
registará na primeira década do século XXI. O país rural começa a desaparecer.
Em 1958, a agricultura ocupa 43% da
população; no início dos anos 70, já só vale 34%. O declínio face à expansão industrial
e dos serviços leva não só à emigração mas também à migração para as cidades no
litoral, como Lisboa.
Na
década de 60, a capital e os municípios da área metropolitana (incluindo
margem sul) ultrapassam o milhão de habitantes. O negócio da construção civil
arranca, irá explodir entre os anos 70 e 90, e aumenta a urbanização das zonas
rurais à volta da cidade. Nesta zona
privilegiada [...] disporão os seus habitantes de todas as instalações públicas
indispensáveis para a vida moderna, lê-se num anúncio a 19 de Novembro de 1964, no Diário de Lisboa, sobre a cidade jardim da Reboleira». In Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, LX
60, A Vida em Lisboa Nunca Mais Foi a Mesma, Publicações Dom Quixote,
Alfragide, 2012, ISBN 978-972-20-5091-3.
Cortesia
D.Quixote/JDACT