Os Propagandistas do Estigma. Os Flagelantes do Mundo Ocidental
«(…) Acreditais num antagonismo radical entre os Estados Unidos e a Al-Qaeda? Como sois infantis são
cúmplices. Afinal de contas, o que é o
terrorismo? Um simples ajuste de contas entre estados sem escrúpulos,
nos quais se inclui a América, que se equivalem: Estaria em curso uma poderosa racionalização, premeditada ou não.
Consiste em acusar e difamar estados ditos sem escrúpulos e indiferentes ao
direito internacional. Esta racionalização é manobrada pelos estados hegemónicos,
encabeçados pelos Estados Unidos, que foram denunciados (por Chomsky, entre
outros) há já muito como Rogue States. Aliás, todos os estados soberanos reúnem
as condições a priori para abusarem do seu poder e transgredirem o direito
internacional, tal como um estado sem escrúpulos. Em todos os estados, há um
potencial para a falta de escrúpulos.
A Sede de Punição
Pobre Europa! Hoje tal como ontem, exala um odor fétido a carne putrefacta
e o seu Passado contamina o presente como lepra. Inevitavelmente, os sintomas
reincidem no presente. Consideremos, por exemplo, as salas de espera onde são
retidos os estrangeiros que pedem asilo ou estão em situação irregular. Não são
com certeza comparáveis aos campos nazis. Todavia, no seio das sociedades
democráticas, partilham certos traços essenciais que definem o paradigma do
campo de concentração, ou seja, segundo Giorgio Agamben, são espaços que surgem quando e excepção começa
a tornar-se regra (...), são lugares de não-direito. Ora, porque nos espantamos
se somos fulminados por um raio e
vítimas da cólera dos deuses?
Como ousamos julgar as diversas barbáries que assolam a humanidade, nós
que, ao longo da História, demos prova de uma selvajaria sem igual? Pagamos a factura de uma mácula
imemorial e somos retroactivamente responsáveis pelos horrores cometidos pelos
nossos antepassados ou pelos europeus em geral. É caso para citar o salmista: Purificai-me, ó Deus, pelos pecados que não
recordo e perdoai-me pelos dos outros. Admiremos uma vez mais o talento com
que é recriada a culpabilidade, reinventada pela classe dos filósofos. Porque
ser europeu é carregar um fardo de vícios e torpezas que nos marca como
estigma, é reconhecer que o homem branco semeou a morte e a ruína em toda a parte.
Para ele, existir é sobretudo desculpar-se.
A ferocidade é branca, como indica a advogada colombiana Rosa Plumelle-Uribe
no título do seu livro. É branca e não negra ou vermelha: o homem branco está
geneticamente predisposto a matar massacrar e violar e demarcou-se do resto da
humanidade para escravizá-la. É mais forte do que ele. A cor da sua pele não é
apenas um caso de pigmentação, é um defeito moral, uma falha sem perdão, como
explica no seu prefácio à mesma obra o professor Sala-Molins que denuncia a voracidade interesseira (...) das nações
brancas cristãs e vê a aventura branca como uma espiral contínua de horror.
O que é afinal o Ocidente?
A própria figura de Satã, cuja presença maligna tudo corrompe, uma vez que se dissemina por toda a parte e não conhece
limites, e cuja face ora é a de um guerreiro
de Papuásia, de um comerciante de tecidos de Cotonou, a de um imã de Qom
ora a de um especulador da Bolsa de Londres ou de um operário da Renault. Todo
aquele que se faça valer disso é pouco recomendável.
É um cenário vertiginoso: a culpabilização do Ocidente permite abarcar a
totalidade do real. O europeu e o norte-americano são simultaneamente malditos
e indispensáveis: graças a eles tudo se torna claro, o mal passa a ter um rosto
e os facínoras são reconhecidos por todos. A culpa é biológica, política e metafísica.
E uma vez que já não acreditamos no reino da redenção, tendo em conta que a
Ásia, a África e a América Latina abandonaram (provisoriamente?) o seu estatuto de terras redentoras,
resta-nos apenas persistir até à náusea neste horror». In Pascal Bruckner, La Tyrannie
de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset
Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América,
2008, ISBN 978-972-1-05943-6.
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