Os Possíveis Tesouros
«(…) Até aqui a nossa
história parecia ser essencialmente a história de um tesouro. E a história de
um tesouro, mesmo que envolva o tesouro do Templo de Jerusalém tem, em última
análise, uma relevância e um significado limitados. As pessoas estão constantemente
a descobrir tesouros de um ou de outro tipo. Estas descobertas são muitas vezes
excitantes, dramáticas e misteriosas, e muitas delas lançam uma importante luz
sobre o passado. No entanto, poucas delas exercem qualquer influência directa,
política ou outra, sobre o presente, a menos, claro, que o tesouro em questão
inclua um segredo qualquer e, possivelmente, um segredo explosivo. Não pusemos
de lado a possibilidade de Saunière ter descoberto um tesouro. Mas ao mesmo
tempo parecia-nos claro que, independentemente do que mais tivesse encontrado,
ele descobrira também um segredo, um segredo histórico de imensa importância na
sua época e talvez também na nossa. Mero dinheiro, ouro ou jóias não explicam,
por si só, várias facetas da história. Não justificam a sua introdução no
círculo de Hoffet, por exemplo, a sua associação com Debussy e a
sua ligação com Emma Calvé. Não explicam o intenso interesse da Igreja na
questão, a impunidade com que Saunière desafiou o seu bispo ou a sua
subsequente exoneração pelo Vaticano, que parece ela própria ter demonstrado
uma preocupação premente. Não explicam a recusa de um padre em administrar
a Extrema-Unção a um moribundo, ou a
visita de um arquiduque dos Habsburgos a uma remota aldeiazinha nos Pirenéus.
O arquiduque dos Habsburgos em questão revelou-se entretanto ser Johann
Salvator von Habsburg, conhecido pelo pseudónimo de Jean Orth. Renunciou
a todos os seus direitos e títulos em 1889
e, dois meses depois, tinha sido banido de todos os territórios do lmperio. Foi
pouco depois que apareceu pela primeira vez em Rennes-le-Château.
Oficialmente disse-se que morreu em 1890,
mas na verdade morreu naArgentina em 1910
ou 1911. Da mesma forma, dinheiro,
ouro ou jóias não explicam a poderosa aura de mistificação que rodeia toda a
história, desde as elaboradas cifras codificadas à história de Marie Denarnaud a
queimar a sua herança de notas de banco. E a própria Marie tinha prometido
divulgar um segredo que conferia não
apenas riqueza, mas igualmente poder.
Por estes motivos, cada vez estávamos mais convencidos de que a história de
Saunière envolvia mais do que riqueza, e que implicava um segredo qualquer, um
segredo que seria quase certamente controverso. Por outras palavras,
parecia-nos que o mistério não estaria confinado a uma aldeia remota e a um
padre do século XIX. O que quer que fosse, parecia estender-se para fora de
Rennes-le-Château e causar ondas, talvez mesmo um potencial maremoto no mundo para além da aldeia. Seria possível
que a riqueza de Saunière não tivesse origem em nada de valor financeiro
intrínseco, mas em algum tipo de
conhecimento? Se assim fosse, poderia este conhecimento ter sido transformado em dinheiro? Poderia ter sido
utilizado para chantagear alguém, por
exemplo? Poderia a riqueza de
Saunière ser o pagamento pelo seu silêncio? Sabíamos que ele tinha
recebido dinheiro de Johann von Habsburg. Ao mesmo tempo, contudo, o segredo do padre, qualquer que fosse,
parecia ser de natureza mais religiosa do que política. Mais ainda, as suas
relações com o arquiduque austríaco, segundo todos os testemunhos, eram
particularmente cordiais. Por outro lado, havia uma instituição que, ao longo
da fase finalda carreira de Saunière, parece tê-lo receado distintamente,
tratando-o com luvas de pelica, o Vaticano. Poderia Saunière estar a fazer
chantagem com o Vaticano? É
certo que uma chantagem desse tipo seria um empreendimento presunçoso e
perigoso para um só homem, por mais exaustivas que fossem as suas precauções.
Mas, e se ele estivesse a ser auxiliado e apoiado neste empreendimento por
outros, outros cuja eminência os tornasse invioláveis perante a Igreja, como o secretário de Estado da Cultura francês
ou os Habsburgos? E se o arquiduque Johann fosse apenas um intermediário,
e o dinheiro que entregou a Saunière
viesse na realidade dos cofres de Roma?
A Intriga
Em Fevereiro de 1972 foi transmitido O
Tesouro Perdido de Jerusalém?, o primeiro dos nossos três filmes sobre
Saunière e o mistério de Rennes-le-Château. O filme não fazia quaisquer
reivindicações controversas, simplesmente contava a história básica tal como foi relatada nas páginas anteriores. Nem
se fazia qualquer especulação sobre um segredo
explosivo ou chantagem ao mais alto nível. Vale também a pena mencionar que
o filme não citava o nome de Émile Holfet, o jovem estudioso eclesiástico de
Paris a quem Saunière confiou os pergaminhos. Recebemos uma autêntica inundação
de correio, o que talvez não tenha sido muito surpreendente. Algumas das cartas
ofereciam sugestões especulativas intrigantes. Outras eram lisonjeiras. Outras eram
idiotas. De todas estas cartas, uma, que o escritor não quis que
publicitássemos, parecia merecer uma atenção especial. Vinha de um padre
anglicano aposentado e aparentava ser uma falácia curiosa e provocante. O nosso
correspondente escrevia com certeza e autoridade categóricas. Fazia as suas
reivindicações seca e definitivamente, sem floreados, e com aparente
indiferença quanto ao facto de nós acreditarmos nele ou não. O tesouro, declarava ele terminantemente,
não envolvia ouro nem pedras preciosas. Pelo contrário, consistia de prova irrefutável de que a Crucificação
fora uma fraude e Jesus vivera até ao ano 45 d. C.
Esta afirmação parecia
escandalosamente absurda. O que poderia, mesmo para um ateu convicto,
constituir prova irrefutável de que Jesus sobrevivera à Crucificação?
Não conseguíamos imaginar nada que não pudesse ser desacreditado ou repudiado, algo
que constituísse não apenas prova,
mas prova verdadeiramente irrefutável. Ao mesmo tempo, a mera
extravagância desta afirmação exigia clarificação e desenvolvimento. O escritor
da carta indicava uma morada de remetente. Assim que tivemos oportunidade,
fomos visitá-lo e tentámos entrevistá-lo. Em pessoa ele foi bastante mais
reticente do que fora na carta, e pareceu estar já arrependido de nos ter
escrito. Recusou desenvolver a sua referência à prova irrefutável e ofereceu apenas mais um fragmento de informação.
Esta prova, disse-nos, ou pelo menos
a sua existência, fora-lhe revelada por outro clérigo anglicano, o cónego Alfred
Leslie Lilley». In Michael Baigent, Eichard Leigh, Henry Lincoln, The Holly Blood and The Holy Grail, 1982, O Sangue de Cristo e o Santo Graal,
Editora Livros do Brasil, Colecção o Despertar dos Mágicos, Lisboa, 2004, ISBN 972-38-2651-8.
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