«(…) Por gora isto é somente um
boato, e nós esperamos ansiosamente saber o que nele há de verdade. Se a
emboscada de 19 de Maio desse em resultado o preparar o país para a República,
como já deu a mostrar a inanidade do Constitucionalismo, devíamos aplaudi-la. Nós
republicanos, devíamos aplaudi-la, porque toda a reforma que permita ao povo
dizer o seu voto, toda a reforma que lhe dê autonomia que desoprima, é por nós,
e para nós. O que porém nem este, nem nenhum ministério constitucional,
conseguirão resolver é a questão da Fazenda.
A série de reformas, que correm
como prováveis, em quase nada atenuarão o deficit.
O marechal, católico como é, não pode cortar o subsídio ao clero, o marechal
não pode suprimir o generalato principesco do nosso magro Exército, o marechal
não extinguirá o corpo diplomático, pois que nele vai colocando todos os seus;
e não fazendo o ministério isto, não preencherá o deficit, e não preenchendo o deficit,
não liquidará a dívida, e não liquidando a dívida, a bancarrota é fatal. A questão
da Fazenda é a questão insolúvel, aquela que impede a resolução de todas as
outras. E a questão da Fazenda chama-se a questão
monárquica. É por isso que nós, desejando ardentemente a
realização do programa que corre como do ministério, não confiamos em que o
governo saído da empresa de 19
de Maio seja capaz de o realizar». In A República, nº 4, 1870.
«A ditadura, depois de dois meses de inépcia, senão de alguma
coisa pior, mostrou a sua impotência, como os governos legais tinham já
mostrado a sua também. Que resta, pois?
A reforma, farol nominal dos nossos políticos contemporâneos, some-se cada vez
mais nas profundidades do horizonte. A reforma, depois de se mostrar impossível
dentro da legalidade, mostra-se impossível fora dela. A ditadura está
evidentemente morta, e morta dum modo estranho. É uma ditadura, criada pela necessidade de medidas capitais
e avançadas, que morre porque, depois de dois meses de poder indisputado e
quase absoluto, não encontrou uma única medida com que correspondesse ao seu
programa e à situação do país, que, segundo ela, exigia actos radicais.
Foi aceita geralmente sem grande hostilidade, por muitos até
com esperança. Hoje ninguém crê nela. Não a acham má, propriamente, mas inútil:
não é tirânica, é inepta. Quis ser uma revolução social, e alcançou, apenas um
ridículo oficial. Morre, porque se
suicida? Não: nem mesmo se suicida. O suicídio é um acto de energia,
que requer força, vontade, qualidades activas, embora mal dirigidas, mas
reveladoras de vida. Ora, a ditadura não tem actos: tem algumas palavras, e
essas vulgares, vagas, insignificantes. Se os decretos dos ditadores foram-se
revolucionários em alguma coisa, foi apenas na gramática. Ora isto não basta». In J. Oliveira Martins, Páginas
Desconhecidas, O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870 e a Ditadura de Saldanha,
Seara Nova 1948, Lisboa.
Cortesia de Seara Nova/JDACT