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Nas suas relações da geologia com a Antropologia Cultural, podemos dizer que
estes mitos foram, afinal, gerecidos pela abrasão marinha, em terras do litoral
minhoto. É-me já habitual visitar este local encantador, onde o eucaliptal e a
resina impregnam a brisa de balsâmicos odores, e o cosmorama das águas
atlânticas beijando as areias e rondando a planície, de ubérrimas pradarias e
auspiciosos casais, que já foi fundo de mar, contemplando, ao longe, a arriba
fóssil em geológica nostalgia. É este o vasto e surpreendente horizonte que se
nos depara desde Marinhas até Vila do Conde, visto do alto da capelinha, a qual
nos faz lembrar um trecho dos Simples, de Guerra Junqueiro: uma alva ermidinha sob o azul magoado, como
ninho branco de ideal poisado, na cumeeira ocidental da montanha. Quando
a visitei a última vez, andava em execução o traçado da estrada de acesso, em
socalcos de paralelos, desde o largo dos coretos até ao piso final do
miradouro, e as escadas, em granito de grão fino, que conduzem à capelinha do
Santo.
Recordo
que me impressionou sobremaneira o disparate de fazer seguir aquela via pela
zona da habitação castreja, cortando a direito as casas circulares e
arruamentos daquele trecho do castro de S. Lourenço, deixando de onde em onde
alguns pedaços daqueles habitáculos multimilenários. Sempre que para aí me
dirijo, como no dia de hoje (6 de Julho de 1993), procuro seguir o curso
das escavações, na encosta Norte, agora de melhor sucesso, por caminho empedrado
e vedação.
Tempo Livre, é uma simpática
revista de viagens, informação geral, cultura e recreio que, semanalmente, cai
no ângulo visual da minha liberdade a tempo inteiro. Leio-a sempre com fogoso
interesse de velho viajeiro, hoje de asas quebradas, no meu presídio de
octogenário, já incapaz de planar e sorver em fundos haustos o vasto horizonte
da vida. O número de hoje traz-me, nas Marinhas de Sal da Fonte da Bica de Rio
Maior, a lembrança enternecedora de uma pedagogia remota, a do sal-gema e dos
vales tifónicos, em que eu pontificava, qual Coménius, do alto da cátedra,
ou então, feito travesti de Maria Montessori, discorrendo sobre as salinas
aveirenses, a reunir nos seus talhos e regueiras, como marnoto de modernidade didáctica,
todo o programa científico do primeiro ciclo liceal. A pequenina ilha do Corvo,
última do arquipélago açoriano, a sonhar, no seu isolamento atlântico, com a
dádiva hagiológica de algum barco que lhe mostrasse o caminho migratório da
libertação e em cujo largo principal, o seu jornal
falado, em que às tardes se reuniam os velhos corvinos, faz-me recordar a
insularidade profissional de que consegui escapar, graças aos bons ofícios do Fulano
Tal, então Ministro da …, que me abriu as portas acolhedoras do Liceu de D.
João III. Desta revista, O Tempo e as
Palavras, de Crespo Fabião, tem sido para mim a secção mais aliciante e
erudita, pois toca de perto esse mundo misterioso das línguas, onde a minha
ansiedade de impenitente sonhador gostaria de penetrar, como último reduto de
uma vivência cerebral, em busca da derradeira luz, nos caminhos sinuosos da
verdade. Sondar, na fonte primeva do Génesis
o verbo que fez deflagrar o Big Bang
do nosso universo das Línguas, tem sido, neste meu débil e exausto caminhar para
o Desconhecido, a minha premente e fatal ambição de peregrino da vida. Que língua(s) falava Jesus, é o texto
que hoje traz a revista. Ora consultando os dados evangélicos contidos no Velho
Testamento bíblico, nas suas versões Septuaginta e Vulgata, sete foram as
palavras que Jesus proferiu do alto da Cruz. Estas sacrossantas palavras que Haydn
transpôs para a música e S. Jerónimo verteu para latim foram:
- Eloí, EIoí, lamma sabacthani, quod est, Deus, Deus quare me dereliquisti?
na
tradução portuguesa:
- Isto é, Deus, Deus, porque me abandonaste?
Estas
misteriosas palavras foram ditas em língua aramaica ou arameu, a língua que Jesus falava, aquela em que Ele contava as
suas parábolas, dialogava com os
discípulos e discorda nos seus divinos sermões, como o da montanha». In
Manuel O. Faria, Terra Inquieta, APPACDM, Braga, 1994, ISBN 972-8195-10-9.
Cortesia
de APPACDM/JDACT