Do
Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Partir
à Aventura
Das
pirâmides às catedrais
«(…)
Para explicar um determinado detalhe de um capitel roussillonense, de uma
arquivolta saintongense ou de um medalhão normando, segundo escreve com justeza
Debidour, somos conduzidos das fábulas de Esopo ao livro de Jonas ou de
Ezequiel, das miniaturas irlandesas do século VII aos marfins bizantinos, das
moedas galo-romanas aos tecidos sassânidas, da arte copta à arte suméria... Esta
filiação directa dos temas e das imagens para além das distâncias aparentemente
intransponíveis do tempo e do espaço, a presença da águia de Ganimedes num
capitel de Vézelay, as reminiscências
da esfinge egípcia, de Oannes, o deus-peixe da Caldeia..., têm qualquer coisa
de perturbante quando os encontramos mesmo nas aldeias mais recônditas do
interior da França. Há muito que se sabe que as produções das artes ditas menores, nomeadamente os têxteis, foram
formas de transmissão da simbólica médio-oriental para o Ocidente. O
medievalista Emile Mâle demonstrou que o conhecimento desses objectos serviu de
inspiração aos imagineiros da Idade Média ao fornecer-lhes um reportório
iconográfico estável.
A
Irlanda foi um ponto de passagem particularmente importante para o reportório
simbólico antigo. Animais fantásticos, formas geométricas como as suásticas e
as rodas cósmicas estão presentes nas estelas e cruzes irlandesas. A iconografia
da catedral de Bayeux e o estilo das suas esculturas é um bom exemplo do
casamento que se deu entre a antiga arte irlandesa, composta de tradições
médio-orientais, e o velho substrato céltico. A cultura sumero-babilónica legou
à Idade Média importantes contributos simbólicos. Pensemos, por exemplo, na
descrição do paraíso, no tema do dilúvio que põe fim ao reinado dos impuros para
reconduzir os justos ao lugar que lhes pertence, na Torre de Babel. Neste
último caso, é evidente como uma religião dogmática se opõe ao projecto dos
construtores de catedrais. Lembremos também o unicórnio babilónico que se
transforma no licorne dos Bestiários da Idade Média, símbolo da pureza do ser
contra tudo e contra todos; os grifos, os leões ou as aves que se enfrentam, os
quais dão uma imagem da dualidade que o homem, enquanto terceiro elemento, deve
dominar; o tema de Daniel entre os leões, que exprime precisamente a ideia que
acabámos de evocar e que é a tradução medieval do iniciado sumério ajoelhado entre
duas feras prostradas.
Baltusaitis,
especialista das relações entre a Suméria e a Idade Média, chamou a atenção
para certos detalhes bastante interessantes. Confrontou, por exemplo, uma chave
de abóbada da Notre-Dame-en-Vaux (Châlons-sur-Marne), composta por três monstros (quadrúpedes e aves) que formam
uma roda, com um motivo conhecido de placas citas ou de fíbulas ditas bárbaras. Estes animais que se perseguem
formando uma roda que gira sem parar são uma expressão elementar de um zodíaco,
isto é, de uma roda da vida. Bizâncio foi também um importante centro de
difusão e influência. O império bizantino, meio asiático, meio europeu,
apresentava-se como uma encruzilhada de ideias e de correntes artísticas. Recordemos
também que a corte de Carlos Magno, que pretendia rivalizar com a de Bizâncio,
sofria fundamentalmente a influência desta e tentava imitá-la.
Ávido
de referências da Antiguidade, o imperador Carlos Magno impunha que lhe
chamassem David, enquanto Homero era o nome de corte de Angilberto. Não se
tratava de um jogo intelectual ou de uma pretensão ingénua mas de uma vontade
de incluir o império numa cadeia
tradicional, de o colocar como continuador da verdadeira cultura, a cultura
dos símbolos.
Para
apontar um exemplo preciso de transmissão iconográfica, evoquemos a
representação bizantina do Monte das Oliveiras que encontramos ao mesmo tempo
no caderno de desenhos do Mestre de Obras Villard de Honnecourt e nas figuras
do Jardim das Delícias, composto sob
a direcção da abadessa Herrade de Landsberg. Comunidade de construtores,
comunidade monacal: a mesma receptividade à transmissão da arte simbólica». In
Christian Jacq, Le Message des Constructeurs de Cathédrales, Éditions du
Rocher, 1980, A Mensagens dos Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance
e Memória, Lisboa, 1999, ISBN 972-771-129-4.
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