A Época. Os Portugueses em Marrocos no século XVI
«(…) A perda de Santa Cruz do Cabo de Guer, em 1541, precipitou a tomada de decisão. Safim e Azamor, na zona
meridional de Marrocos, foram abandonadas no mesmo ano; Arzila e Alcácer Ceguer
conheceram a mesma sorte em 1550,
após a conquista do reino de Fez pelo xarife sádida. Mantiveram-se apenas as
cidades de Mazagão, Tânger e Ceuta que foram dotadas de novas e imponentes
fortificações, aptas a resistir ao cerco dos inimigos providos de artilharia. A
opção foi clara: mantinham-se os dois pontos estratégicos do estreito de
Gibraltar, de onde (sobretudo de Tânger) se tornava possível a invasão de Fez,
e guardava-se uma porta (Mazagão) que permitia a entrada no reino de
Marraquexe. Esta fortaleza foi dotada de um porto importante para a época que
continuou a ser um dos ancoradouros mais seguros de toda a orla atlântica de
Marrocos até à construção das modernas instalações portuárias de Casablanca. Após
o abandono das praças, concentraram-se as forças, aumentaram as motivações,
agora excitadas pelo pecado do
abandono, mas manteve-se a dúvida quanto ao melhor rumo da Expansão Portuguesa e,
nessas condições, permaneceu o sonho ou projecto de conquista marroquina. O
grande cerco de Mazagão, em 1562,
tornou-se uma referência muito significativa do longo percurso magrebino dos
Portugueses.
O povo do Algarve, de Lisboa, do Porto, de toda a orla marítima comoveu-se
com a sorte dos sitiados e um considerável auxílio foi mobilizado antes mesmo
da decisão da regente D. Catarina. A vitória obtida surgiu como uma prova da
capacidade portuguesa contra os exércitos sitiantes e afigurava-se de molde a
permitir novos êxitos. A retumbância europeia do feito e a sua consagração no
concílio de Trento foi propícia aos adeptos da expansão ao pé da porta contra os da longínqua empresa oriental. A população
das praças portuguesas de Marrocos era formada principalmente por duas
categorias: os fronteiros e os moradores. Os primeiros constituíam a gente de
armas, geralmente fidalgos, que ali iam servir por um período de dois ou três
anos e que levavam um séquito de servidores que os auxiliavam na guerra. Os
moradores eram a população permanente, ali estabelecida de longa data.
Desempenhavam as tarefas mais humildes, asseguravam o comércio e mantinham uma
agricultura de subsistência, aproveitando as terras vizinhas e as
possibilidades da pastorícia (…).
Nestas condições, a sua resolução era descoordenada e, assim,
assistiu-se a uma multiplicidade de centros de decisão com sede em cada uma das
praças. Tal divisão não poderia servir iniciativas comuns contra o inimigo. O
abastecimento das praças portuguesas foi geralmente muito irregular. Quando não
era possível fazer comércio com o território marroquino, e essa era a situação
normal em período de crise, o único recurso era o envio frequente de navios com
mantimentos idos do continente, da Andaluzia ou das ilhas do Atlântico. Sempre
que a administração faltava, ou demorava os seus fornecimentos, havia carências
naquelas fortalezas que chegavam a pontos críticos de fome e de desespero. A
numerosa correspondência que se conserva nos arquivos portugueses, e que em
parte está publicada, abunda em referências às dificuldades económicas e às
situações de dramatismo vividas pelos fronteiros e moradores nas praças de
África.
As dúvidas sobre os rumos que a Expansão deveria adoptar foram bem
equacionadas por Luís de Camões que exprimiu as incongruências da política
seguida no Oriente e as dificuldades da conquista do Magrebe, mas, ao mesmo
tempo, exaltou a epopeia protagonizada pelos portugueses em circunstâncias
assaz difíceis. Alguns dos seus versos esclarecem a situação de embaraço lusitano
perante os caminhos a percorrer e o clima político-militar que condicionou a
atitude várias vezes referida pelo Autor da Crónica
de Almançor». In António Dias Farinha, Crónica de
Almançor, Sultão de Marrocos (1578-1603), Investigação Científica Tropical,
Lisboa, 1997, ISBN 972-672-864-9.
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