sábado, 25 de outubro de 2014

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «… perante a confusão da existência de dois reis de França (‘o inglês Henrique VI e Carlos VII’), os borgonheses começaram a entender-se com os franceses. O duque exigiu uma reparação pela morte de seu pai, João Sem Medo…»

jdact

O nascimento do herdeiro Carlos
«(…) Face às queixas e inquietações das gentes de Mâcon, D. Isabel admitiu negociar uma trégua com os delegados do duque de Bourbon. Mas Filipe, o Bom, estando de volta à Borgonha a meio de Agosto de 1434, acaba por pôr fim a estas negociações, enfrentando em Nevers, em Fevereiro de 1435, os duques de Bourbon e de Richemont. Durante este tempo, a duquesa continuou activa na organização dos negócios da guerra, dirigindo a convocação dos homens de armas e o aprovisionamento das tropas. Isabel assumia estas responsabilidades completando-as com uma grande preocupação dispensada às relações com os diversos grupos sociais. Monique Sommé, que estudou detalhadamente a acção da duquesa durante este período, resume-a nestes termos: Isabel desempenhou um papel essencial no governo da Borgonha durante o tempo que durou a pacificação do país, com grande sentido de organização e dando provas de persuasão e de autoridade nas suas relações com os estados, as vilas e os oficiais ducais.
Num artigo, esta historiadora relata-nos a juventude de Carlos, fazendo uma descrição das instalações que seu pai para ele construíra e que ocupou desde o seu nascimento, frente ao castelo.Acompanham-no a sua ama-de-leite Simone Sauvegrain e Marguerite Villers La Faye, governanta da casa. Esta borgonhesa ficará dez anos ao seu serviço, tendo sob as suas ordens a ama-do-berço Isabeau de Morailles, um chefe de mesa, um criado de quarto e um escrivão. Na Primavera de 1435, os duques tomam o caminho da Flandres. Deviam organizar uma conferência na continuação do acordo de Nevers. A duquesa viajou em liteira com Carlos seguindo o duque Filipe, no meio das tropas e de uma centena de carros. Estacionaram em Auxerre a 8 de Abril e em Paris a 14. Os duques instalaram-se na residência de Artois, guarnecida de tapeçarias flamengas, onde Filipe recebeu os notáveis, os burgueses e os mestres universitários depois de ter assistido à missa da Páscoa em Notre Dame. Às raparigas e burguesas que tinham vindo implorar a Isabel que interviesse a favor da paz, ela assegurou-lhes ter disso o maior desejo e que dia e noite rezava ao senhor pelo grande bem que vejo daí resultar. Na quinta-feira seguinte, 21 de Abril, os duques voltaram a partir em direcção a Arras.

O Tratado de Arras
Filipe, o Bom, tinha encarregado o seu chanceler Nicolas Rolin de preparar as negociações de paz de Arras onde os duques, beneficiando de relações especiais com os ingleses, procuravam retirar vantagens para assegurar a protecção dos seus territórios do Norte. De resto, eles conseguiram ser reconhecidos e participar de parte inteira, ao lado dos delegados do rei de França e dos ingleses. Desde o princípio do mês de Julho até Setembro de 1435, os duques, acompanhados de Carlos, fixaram residência em Arras, porque as negociações do tratado exigiriam muitos contactos. Era raro ver reunidos tantos duques e condes. Esta reunião foi uma das mais importantes da época, reagrupando delegações de numerosos reinos. Participou igualmente uma delegação portuguesa.
A duquesa tomou aí parte nas negociações com os ingleses e obteve largas vantagens para o ducado. Ela presidiu também às recepções dadas em honra dos seus hóspedes. Antes das negociações, Filipe, o Bom, organizou manifestações cavaleirescas, designadamente um torneio entre os condes de Étampes, de Saint Pol e de Ligny e o conde de Suffolk. Os ingleses foram mal recebidos e, suspeitando da ruptura da aliança por parte do duque, não tardaram em retirar-se. Os plenipotenciários de Carlos VII estavam prestes a ceder-lhes definitivamente a Aquitânia e a Normandia se Henrique VI renunciasse ao título de rei de França. Em troca, exigiam de Carlos VII que se reconhecesse seu vassalo. Sem participar directamente nas negociações, a duquesa Isabel conduziu as entrevistas, primeiro, com um mediador nomeado pelo papa, o cardeal Albergati e, mais tarde, com o seu tio cardeal de Beaufort, bispo de Winchester. O cardeal inglês procurou garantir o apoio de Filipe, sem o conseguir. Desapontados, os ingleses acusaram Filipe de traição, considerando o seu volte-face indigno de um verdadeiro cavaleiro.
Com efeito, perante a confusão da existência de dois reis de França (o inglês Henrique VI e Carlos VII), os borgonheses começaram a entender-se com os franceses. O duque exigiu uma reparação pela morte de seu pai, João Sem Medo, assassinado em Montereau, e obteve ainda Auxerre, o Auxerrois, Bar-sur-Seine, Luxeuil, Boulogne-sur-Mer e as cidades da Somme, ao mesmo tempo que a libertação, em vida, da vassalagem ao rei de França. O tratado de paz concluído a 21 de Agosto entre o rei de França, Carlos VII, e o duque de Borgonha foi celebrado solenemente na Igreja de Saint-Vaast d’Arras, na ausência da duquesa, cuja intervenção a favor da paz foi considerável. Acção que o poeta Martin Le Franc reconhecia nestes versos:

Viva a senhora, e bendito seja
quem nos deu tal princesa!
Por ela a horrível guerra cesse
e volte o trabalho da paz».

In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT