quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Longe não Sabia. Poesia. Tolentino Mendonça. «Era um rapaz que partiu para conhecer o medo o seu coração arranhado pelas chamas tropeções de um cego que foge da aldeia nessa noite quem conseguiria contar»

jdact

Os Incêndios
«Não devias empurrar fogo tão solitário
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas.

A sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma
não despertes o que não podes calar».


A Mão, o Muro, o Mundo
«A mão preferida pelo silêncio
evoca sobre o muro
um alfabeto sem vincos.

Não é mão é uma luz que sobe pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada.

A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos.

A mão preferida pelo silêncio
não conhece repouso
quando atravessa a noite da enseada
é a mão trémula
pobre
assinalada pela escassez extrema dos nomes».
Poemas de José Tolentino Mendonça, in ‘Longe não sabia’

JDACT