A
Idade do Ouro
«(…)
Em Lisboa, como no resto do país, a idade de ouro (que coincide com uma idade
de ouro europeia) significa mais rendimento (o volume total de salários mais do
que duplica) e mais consumo, de carros a televisores. Em 1961 abre o primeiro supermercado, no Saldanha. Na mesma zona, abre
em 1967 o restaurante Galeto,
um símbolo de modernidade. Entre 1965 e 1970 o volume de carros
vendidos mais do que triplica, quando comparado com o nível entre 1955
e 1960. Tudo é parte de um salto enorme num país muito atrasado, um
salto apenas superado pela transformação que virá a acontecer mais tarde, com a
entrada na CEE.
Surfin
na Linha do Estoril
[…]
Descobri
o surf em 1945, durante a II Guerra
Mundial, numa base americana nos Açores, quando vi numa revista um artigo sobre
o Duke Kahanamoku. No mesmo ano, noutra revista, vi um anúncio às Churchil Swim Fins, barbatanas usadas no
Havai para caça submarina, e pedi a um primo que me trouxesse umas de lá. Em 1946, tinha 15 para 16 anos, fui viver
para Carcavelos, na linha de Cascais. Foi lá que o meu entrosamento com o mar
se tornou diário. Comecei a fazer as chamadas carreiras de papo com os braços a fazer de hydrofoil. No Inverno,
só com o corpo, conseguia deslizar 300, 400 metros até terra. Pensei: se
conseguisse arranjar uma coisa que flutuasse, seria fantástico. E
assim foi. Um amigo do Alentejo arranjou-me uma prancha de cortiça e
intuitivamente comecei a fazer bodysurf.
O Morey Boogey, surfista de bodysurf,
lembrou-se de comercializar uma prancha de plástico em 1962. Imagino que eu, em 1946,
tenha sido o primeiro da Europa a fazer bodyboard.
Fazia
bodysurf com uma camisola de lã. Mais
tarde arranjei um fato seco da Pirelli feito em borracha de câmaras de
ar. Em 1953, tornei-me o primeiro a
ter um fato de neoprene. A fábrica do comandante Cousteau ia lançá-los na
Europa. Durante um estágio lá, experimentei o protótipo e parecia feito para
mim. Disse-lhes: … se me derem o fato, eu
tiro. Se não derem, fujo já com ele. Três semanas depois vem a Calypso a Portugal. O único que
tinha um fato igual ao meu era o Albert Falco, comandante. Durante anos
e anos ia para a neve nos Pirenéus passar o Natal e o fim de ano. Soube que, em
Bayonne, a Barland, uma fábrica de fibra de vidro, estava a fazer
pranchas de surf. No início de 1959,
fui lá e comprei uma. Era um bacalhau: pesava 15 ou 16 kg e media 3,10 m. Mais
tarde colei-lhe umas flores, era o tempo dos hippies. Venho com ela em cima do carro. Chego a Carcavelos. Assim
que me ponho de pé, escorrego e caio. Ainda vou para São Pedro à procura de
ondas menos verticais, mas escorrego sempre. Isto durante uma semana.
No fim-de-semana seguinte volto a Biarritz. Chego à Plage des Anglais e
está lá um americano a fazer surf. Pergunto-lhe o que se passa. E ele diz: Man, get a piece of wax. Ele mesmo põe o
wax na minha prancha. Estava um dia
fantástico, de Inverno mas com sol, umas ondas lindas. Saio para o mar e ponho-me
logo em pé. Sinto a exultação, o factor mágico, a alegria de deslizar sobre a
água.
Voltei
para Portugal e comecei a surfar de manhã, à hora do almoço e ao final do dia.
Deixava a prancha no Narciso, uma barraquinha verde que vendia sanduíches na
praia de Carcavelos. À sexta-feira, saía do escritório, ainda não havia
auto-estradas, e fazia sozinho no meu dois
cavalos ou num Singer descapotável e sem aquecimento 1200 km até La
Mongie. Chegava a Biarritz sábado de madrugada. Fazia duas horinhas de surf e
depois ia esquiar. Deitava-me às cinco da tarde para me levantar às sete da
manhã. Fazia ski e às cinco da tarde
voltava para Lisboa. Porque é que eu fui
pioneiro? Por ser assim, persistente, insistente, ter iniciativa. Em 1960, no Bico de São Pedro, a minha segunda mulher tira-me as primeiras
fotos de surf alguma vez feitas em Portugal. Ela era hospedeira do ar, passava
cá muito pouco tempo. Por isso é que tenho muito poucas fotos. Ia sempre
sozinho. E foi assim durante quase dez anos». In Joana Stichini Vilela e Nick
Mrozowski, LX 60, A Vida em Lisboa Nunca Mais Foi a Mesma, Publicações Dom
Quixote, Alfragide, 2012, ISBN 978-972-20-5091-3.
Cortesia
D.Quixote/JDACT