quinta-feira, 9 de outubro de 2014

LX 60. A Vida em Lisboa Nunca Mais Foi a Mesma. Joana Vilela e Nick Mrozowski. «Entre 1965 e 1970 o volume de carros vendidos mais do que triplica, quando comparado com o nível entre 1955 e 1960. Tudo é parte de um salto enorme num país muito atrasado, um salto apenas superado…»

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A Idade do Ouro
«(…) Em Lisboa, como no resto do país, a idade de ouro (que coincide com uma idade de ouro europeia) significa mais rendimento (o volume total de salários mais do que duplica) e mais consumo, de carros a televisores. Em 1961 abre o primeiro supermercado, no Saldanha. Na mesma zona, abre em 1967 o restaurante Galeto, um símbolo de modernidade. Entre 1965 e 1970 o volume de carros vendidos mais do que triplica, quando comparado com o nível entre 1955 e 1960. Tudo é parte de um salto enorme num país muito atrasado, um salto apenas superado pela transformação que virá a acontecer mais tarde, com a entrada na CEE.

Surfin na Linha do Estoril
[…]
Descobri o surf em 1945, durante a II Guerra Mundial, numa base americana nos Açores, quando vi numa revista um artigo sobre o Duke Kahanamoku. No mesmo ano, noutra revista, vi um anúncio às Churchil Swim Fins, barbatanas usadas no Havai para caça submarina, e pedi a um primo que me trouxesse umas de lá. Em 1946, tinha 15 para 16 anos, fui viver para Carcavelos, na linha de Cascais. Foi lá que o meu entrosamento com o mar se tornou diário. Comecei a fazer as chamadas carreiras de papo com os braços a fazer de hydrofoil. No Inverno, só com o corpo, conseguia deslizar 300, 400 metros até terra. Pensei: se conseguisse arranjar uma coisa que flutuasse, seria fantástico. E assim foi. Um amigo do Alentejo arranjou-me uma prancha de cortiça e intuitivamente comecei a fazer bodysurf. O Morey Boogey, surfista de bodysurf, lembrou-se de comercializar uma prancha de plástico em 1962. Imagino que eu, em 1946, tenha sido o primeiro da Europa a fazer bodyboard.
Fazia bodysurf com uma camisola de lã. Mais tarde arranjei um fato seco da Pirelli feito em borracha de câmaras de ar. Em 1953, tornei-me o primeiro a ter um fato de neoprene. A fábrica do comandante Cousteau ia lançá-los na Europa. Durante um estágio lá, experimentei o protótipo e parecia feito para mim. Disse-lhes: … se me derem o fato, eu tiro. Se não derem, fujo já com ele. Três semanas depois vem a Calypso a Portugal. O único que tinha um fato igual ao meu era o Albert Falco, comandante. Durante anos e anos ia para a neve nos Pirenéus passar o Natal e o fim de ano. Soube que, em Bayonne, a Barland, uma fábrica de fibra de vidro, estava a fazer pranchas de surf. No início de 1959, fui lá e comprei uma. Era um bacalhau: pesava 15 ou 16 kg e media 3,10 m. Mais tarde colei-lhe umas flores, era o tempo dos hippies. Venho com ela em cima do carro. Chego a Carcavelos. Assim que me ponho de pé, escorrego e caio. Ainda vou para São Pedro à procura de ondas menos verticais, mas escorrego sempre. Isto durante uma semana. No fim-de-semana seguinte volto a Biarritz. Chego à Plage des Anglais e está lá um americano a fazer surf. Pergunto-lhe o que se passa. E ele diz: Man, get a piece of wax. Ele mesmo põe o wax na minha prancha. Estava um dia fantástico, de Inverno mas com sol, umas ondas lindas. Saio para o mar e ponho-me logo em pé. Sinto a exultação, o factor mágico, a alegria de deslizar sobre a água.
Voltei para Portugal e comecei a surfar de manhã, à hora do almoço e ao final do dia. Deixava a prancha no Narciso, uma barraquinha verde que vendia sanduíches na praia de Carcavelos. À sexta-feira, saía do escritório, ainda não havia auto-estradas, e fazia sozinho no meu dois cavalos ou num Singer descapotável e sem aquecimento 1200 km até La Mongie. Chegava a Biarritz sábado de madrugada. Fazia duas horinhas de surf e depois ia esquiar. Deitava-me às cinco da tarde para me levantar às sete da manhã. Fazia ski e às cinco da tarde voltava para Lisboa. Porque é que eu fui pioneiro? Por ser assim, persistente, insistente, ter iniciativa. Em 1960, no Bico de São Pedro, a minha segunda mulher tira-me as primeiras fotos de surf alguma vez feitas em Portugal. Ela era hospedeira do ar, passava cá muito pouco tempo. Por isso é que tenho muito poucas fotos. Ia sempre sozinho. E foi assim durante quase dez anos». In Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, LX 60, A Vida em Lisboa Nunca Mais Foi a Mesma, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2012, ISBN 978-972-20-5091-3.

Cortesia D.Quixote/JDACT